Cruel

Bolsonaro é condenado por infringir lei e usar termo ‘lepra’ em discurso

Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase ingressou na Justiça para proibir presidente de usar termo pejorativo

Acervo Jaime Prado
Acervo Jaime Prado
Termo usado por Bolsonaro remete a tempos cruéis, quando filhos saudáveis de pais internados compulsoriamente eram levados ainda bebês

São Paulo – Não foi a primeira vez e, diante da costumeira impunidade, pode não ser a última. Em discurso realizado em dezembro, na cidade de Chapecó (SC), o presidente Jair Bolsonaro infringiu mais uma lei brasileira, ao utilizar os termos “lepra” e “leproso” em discurso, para se referir a pessoas com hanseníase. A proibição ao uso dessas palavras data de 1995, depois de promulgada a Lei nº 9/.010. Mas desta vez a Justiça reagiu ao vocabulário do presidente. A ação movida ainda em dezembro pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).

“No caso concreto, os termos ‘lepra’ e ‘leproso’ foram utilizados pelo mandatário em discurso realizado em cerimônia oficial da Presidência da República e devidamente registrado pela TV Nacional do Brasil – NBR”, observa o juiz Fabio Tenenblat, da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A decisão foi publicada nesta segunda-feira (17). Confira a íntegra.

“Consequentemente, ainda mais quando se considera que as normas garantidoras de direitos fundamentais devem ser interpretadas de forma extensiva, não há dúvidas de que, ao menos para efeitos da Lei nº 9.010/1995, está-se diante de documento oficial. Ocorreu, portanto, infringência à referida norma”, assinalou.

Além disso, o magistrado destacou o perigo de dano na não observância da terminologia oficial prevista na Lei nº 9.010/1995, Mencionou ainda a “histórica dívida” que a sociedade tem com as pessoas atingidas pela hanseníase. “E, mais do que isso, os abalos psicológicos causados pelo uso de termos estigmatizantes e discriminatórios por autoridades públicas”.

Decisão histórica

Diante disso, o juiz deferiu o pedido feito pelo Morhan. E determinou à União e “quem a represente”, portanto, inclusive Bolsonaro, de abster-se do uso do termos “lepra” e seus derivados.

Ministério da Saúde quer encurtar tempo de tratamento para hanseníase

Coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio comemora a decisão histórica que, segundo ele, estabelece um novo marco na luta contra o estigma da hanseníase. “É preciso ao mesmo tempo que atuamos para acabar com a doença e ter uma política de reabilitação decente para quem ficou com sequelas, combater vigorosamente o estigma estrutural da doença”, afirmou em nota enviada à reportagem da Rede Brasil Atual.

“A Relatora Especial para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares da ONU, Alice Cruz, caracteriza a lei 9.010/95 como uma das poucas leis antidiscriminatórias da hanseníase no mundo”, lembra ele.  “Foi preciso ir à Justiça para buscar garantir uma proibição que já está prevista em lei. Quando o presidente faz alusão à ‘lepra’ em discurso oficial, ele fere a lei 9.010, de 1995. E fere também a dignidade das pessoas afetadas pela hanseníase, ao utilizar uma linguagem carregada de preconceito.”

Outros tempos

Em seu discurso, Bolsonaro disse que “quem já leu ou viu filmes daquela época, quando Cristo nasceu, o grande mal daquele momento era a lepra. O leproso era isolado, distância dele. Hoje em dia, temos lepra também, mas o mundo não acabou naquele momento”.

Nos últimos dez anos, o Brasil registrou 312 mil novos casos de hanseníase. O número coloca o país na segunda posição no ranking mundial da doença, atrás da Índia.“Aqui, a média é de 30 mil novos casos por ano. O número vem se mantendo com uma discreta queda, mas ela ainda não é considerada significativa para se dizer que a doença está em declínio”, disse o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Heitor Gonçalves, em entrevista à Agência Brasil.

Em 2007, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou lei que concedeu pensão aos cidadãos que sofreram com o afastamento pela doença. A Lei nº 11.520 ampara todos os brasileiros submetidos ao isolamento compulsório em hospitais-colônia até 1986, concedendo-lhes indenização na forma de pensão vitalícia.