Direito à escolha

Aula pública em Santo André debate impactos do Estatuto do Nascituro

Para organizadora do evento, articulação entre setores religiosos fundamentalistas ataca direitos das mulheres à sexualidade e à reprodução

Marcelo Camargo/ABr

Na Marcha das Vadias em São Paulo, que ocorreu em maio, mulheres denunciam violência e repressão

São Paulo – Na terça-feira (23) será realizada em Santo André, no ABC paulista, uma aula pública que pretende mostrar os impactos negativos da eventual aprovação do Projeto de Lei 478, de 2007, conhecido como Estatuto do Nascituro. Os movimentos feministas criticam a proposta por considerá-la um retrocesso na questão da autonomia da mulher em relação ao seu próprio corpo e à saúde.

De acordo com a militante da organização feminista Entre Nós, Dulce Xavier, a aprovação do Estatuto no Nascituro irá ferir os direitos conquistados pelas mulheres e garantidos pela legislação brasileira. “O projeto funciona para impedir o direito da mulher de abortar nos três casos permitidos por lei, garantidos pelo Código Penal e pelo Supremo Tribunal Federal. Os direitos de escolha da mulher foram completamente deixados de lado”, explicou à Rádio Brasil Atual. O aborto, atualmente, é permitido em casos de gravidez que apresentam risco de vida para a mãe, em caso de feto anencéfalo, ou quando a gravidez é decorrente de um estupro.

O PL 478 prevê que o aborto seja proibido em qualquer circunstância, já que o feto estará “protegido” por um estatuto jurídico. O projeto já passou por duas comissões e agora está na de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde o relator é o deputado Marcelo Almeida (PMDB-PR). O texto foi apresentado pelos então deputados Luis Bassuma e Miguel Martini, ligados a grupos religiosos contrários à descriminalização do aborto.

Direitos do feto

Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido. O artigo 3º do projeto estabelece que “desde a concepção são reconhecidos todos os direitos do nascituro, em especial o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física e os demais direitos da personalidade”, enquanto o artigo 5º diz que “nenhum nascituro será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punido na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos”. Dois artigos, o 12º e o 13º, podem interferir diretamente nas situações em que hoje já é permitido à mulher fazer o aborto – em caso de estupro ou de risco à própria vida, conforme prevê o Código Penal Brasileiro.

O 12º diz que “é vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer de seus genitores”. Já o 13º estabelece uma série de direitos ao nascituro “concebido em decorrência de estupro”.

Este último artigo, no entanto, recebeu uma emenda da deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), quando a matéria passou pela Comissão de Seguridade Social e Família, em 2010. Relatora do projeto naquela comissão, a deputada incluiu no texto uma ressalva segundo a qual tais direitos não se sobrepõem ao Código Penal. Em junho, o projeto foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação.

Um dos pontos mais polêmicos é a chamada “Bolsa Estupro”, um benefício financeiro que seria concedido pelo Estado à mulher que engravidar após ser estuprada. Além disso, se o agressor for identificado, ficaria estipulado que ele pagasse pensão alimentícia à mãe de criança, até ela completar 18 anos.

“Além de ser uma continuidade da violência a mulher vai ter de conviver com este agressor. É praticamente uma indulgência, ou uma desculpa que se dá ao criminoso que comete o estupro, uma vez que ele vai pagar o bolsa estupro. É ofensivo para a mulher”, opina Dulce. “O Estatuto representa um retrocesso enorme em todos os avanços que tivemos. Essas pesquisas já foram reconhecidas no STF como legitimas. De forma geral, percebemos uma articulação entre os setores religiosos para propor medidas que representam retrocessos nos direitos conquistados. Essencialmente em relação à sexualidade e reprodução.”