Ativistas veem Comissão da Verdade como pretexto para não punir torturadores

São Paulo – Entidades de direitos humanos que acompanham o cumprimento da sentença contra o Brasil pelos crimes da ditadura acreditam que a insistência do governo federal em torno da […]

São Paulo – Entidades de direitos humanos que acompanham o cumprimento da sentença contra o Brasil pelos crimes da ditadura acreditam que a insistência do governo federal em torno da Comissão da Verdade é uma tentativa de não se punir os torturadores envolvidos no regime autoritário.

“Até agora só se fez usar a Comissão da Verdade como pretexto”, critica Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Ele é um dos articuladores do “Cumpra-se”, uma tentativa de criar uma mobilização em prol do cumprimento da sentença que o Estado brasileiro sofreu em dezembro de 2010 na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na ocasião, o país foi condenado por não investigar o episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia, ocorrido durante a repressão. “Quando se lê a sentença, não há exigência da Comissão da Verdade. Nos doze pontos em que o Brasil foi condenado não se fala sobre a Comissão da Verdade, não é esta a condenação”, afirma em referência à ênfase dada pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, à criação do colegiado.

Desde o começo do governo Dilma Rousseff, os ministros fecharam posição de que cabe ao Judiciário decidir pela eventual punição dos violadores de direitos humanos durante a ditadura, ou seja, o Executivo não teria poder de influenciar esta questão, que é central para a Corte Interamericana, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA). A sentença manifesta a exigência de que a Lei de Anistia, aprovada em 1979, com o Congresso sob intervenção do regime, “não continue a ser um obstáculo para a persecução penal das graves violações de direitos humanos que constituam crimes contra a humanidade”.

A respeito da Comissão da Verdade, que foi apresentada pelo governo Lula à Corte como um dos pontos que mostram o compromisso em promover a transição para a democracia e, portanto, evitar a condenação, a OEA manifestou que a iniciativa é positiva para garantir “a preservação da memória histórica”, mas que “as atividades e informações que, eventualmente, recolha essa Comissão não substituem a obrigação do Estado de estabelecer a verdade e assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais, através dos processos judiciais penais”. Ou seja, mantém-se a posição de que a Lei de Anistia não é válida para deixar de punir torturadores, e que a criação do colegiado não resolve essa questão, bem como a busca pelos corpos das vítimas do Araguaia.

Em setembro, a Câmara aprovou o texto que cria a Comissão da Verdade. Alvo de críticas de organizações de familiares de vítimas, o projeto, agora no Senado, prevê que a apuração de violações de direitos humanos pelo Estado se dê ao longo de dois anos, em um grupo de sete integrantes e abrangendo o período entre 1946 e 1988 – a ditadura teve lugar entre 1964 e 1985. A expectativa de Maria do Rosário é ver a comissão instalada no próximo ano.

Em junho, quando da publicação da sentença de condenação em um sítio eletrônico do governo brasileiro, uma das exigências da Corte, a ministra resolveu fazer um preâmbulo no qual destacou o compromisso em elucidar os fatos da guerrilha. “Situações como essas comprovam o quão importante é a união da sociedade para que o Congresso Nacional aprove a Comissão da Verdade (Projeto de Lei 7376/2010)”, defendeu.

Beatriz Affonso, diretora do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil), lamenta que Maria do Rosário tenha utilizado o episódio para promover um ponto que não está entre as exigências da Corte. “A ministra precisa entender que o efeito reparatório é para as vítimas, e não para ela. Se precisa de apoio na Comissão da Verdade, ótimo, mas ela não pode usar a sentença em detrimento do interesse dos familiares para dar foco ao que é importante para ela.”

Para ela, é inútil ter a ilusão de que a OEA vá aceitar a Comissão da Verdade como parte do cumprimento da condenação. “É uma cortina de fumaça política para não fazer enfrentamento interno com os setores que se opõem ao tema. Acham que daqui a dois anos o STF vai estar diferente. Eu, honestamente, não tenho essa esperança.”