Desigualdade em SP

Na pandemia, tarefas domésticas sobrecarregam mais as mulheres paulistanas

Segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo, sete em cada 10 paulistanas se declararam as principais responsáveis pela organização, planejamento e tomada de decisões em casa

Marcelo Camargo/EBC
Marcelo Camargo/EBC
Mais de 3,4 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de assédio e violência de gênero na cidade de São Paulo, aponta também o estudo

São Paulo – Do cuidado diário com os filhos à limpeza da casa, as tarefas domésticas ainda são executadas quase majoritariamente por mulheres na cidade de São Paulo. É o que mostra a quarta edição da série Viver em São Paulo: Mulher, pesquisa da Rede Nossa São Paulo em parceria com o Inteligência de Pesquisa e Consultoria (Ipec) e o Ibope Inteligência. Ao investigar 13 atividades relacionadas ao domicílio e à família, o estudo revela o reconhecimento de que em 11 são as mulheres que fazem mais. 

Divulgado nesta segunda-feira (8), Dia Internacional da Mulher, o relatório aponta para uma “evidente desigualdade de gênero” que historicamente atribui à população feminina um trabalho invisível, pouco valorizado e não remunerado. E que na pandemia de covid-19 se tornou um desafio ainda maior. 

A pesquisa realizou um total de 800 entrevistas – 425 com mulheres e 375 com homens. De forma geral, quase a metade dos paulistanos (47%) indicou que os serviços domésticos são divididos igualmente. Entre os homens, por exemplo, essa percepção fica ainda maior. Ao menos 55% deles afirmam que os afazeres são de responsabilidade dos dois. Mas a observação não é a mesma para as mulheres: somente 40% delas dizem que há igualdade de fato. 

Sobrecarregadas 

A diferença cresce quando são descritas 13 tarefas do cotidiano doméstico. Questionados sobre o cuidado diário com os filhos, quase a maioria das paulistanas (88%) disse executar a tarefa, ante 11% dos homens. A preparação das refeições e a limpeza da casa também são atribuídos mais às mulheres (85%) do que a eles (14%). Assim como os cuidados médicos dos filhos (84%) e o acompanhamento das atividades escolares (78%). 

Elas também são as principais responsáveis pelos cuidados médicos com idosos ou outros adultos (75%), lavar a louça (69%), levar e buscar os filhos na escola (69%), fazer as compras (61%), cuidar dos animais domésticos (59%) e organizar a casa (53%). As duas únicas exceções são “tirar o lixo” e fazer a “manutenção da casa”. Os homens são os que mais mencionam a realização das duas atividades, com 58% e 78%, respectivamente. 

A pesquisa, contudo, também revela que além de executarem mais atividades, as mulheres são as encarregadas pelo planejamento, organização e tomada de decisões. Sete em cada 10 paulistanas se declararam as principais responsáveis por fazer com que as coisas aconteçam no dia a dia da casa. O que, de acordo com Patrícia Pavanelli do Ipec, evidencia a carga mental das mulheres. “A gente percebe uma diferença grande de atribuição”, destaca. 

Reprodução

Cuidado parental é feminino

Na comparação com a pesquisa do ano passado, a Rede Nossa São Paulo também mostra um recuo no percentual de paulistanas que dividem igualmente o cuidado parental. O índice caiu de 37% para 24%, uma diferença de 13%. Por outro lado, houve um aumento no percentual de mulheres que ficam mais com os filhos do que outro cuidador. No ano passado, a taxa era de 31%, um queda na comparação com 2018, que registrou%.

Mas, diante da crise sanitária que fez ruir as redes de apoio públicas, solidárias ou contratadas, esse percentual voltou a subir para 40%, indicando que quase 1,4 milhão de mães acabam ficando mais com o filho do que qualquer outra pessoa. 

A edição deste ano também aplicou perguntas apenas às mulheres, com mais de 16 anos, sobre a violência de gênero. O estudo identificou que 61% das paulistanas já sofreram algum tipo de assédio, o equivalente a mais de 3,4 milhões de mulheres. Pelo terceiro ano consecutivo, cresceu também o percentual de vítimas de assédio dentro do transporte coletivo (47%). A pesquisa ainda revela um aumento de 9% no número de mulheres que foram assediadas no ambiente de trabalho. Cerca de um terço das paulistanas (31%) sofreram discriminação por conta do gênero.

Assédio e violência

Os casos de assédio foram mais frequentes na zona norte, entre a parcela mais jovem, de 16 a 34 anos (48%), e aquelas que possuem outras religiões que não a católica ou evangélica (46%). Entre as mulheres com o ensino fundamental, a percepção é ainda que a violência cresceu no último ano, passando de 82% para 88%. O estudo também confirma que as mulheres se sentem mais vulneráveis nos espaços públicos da cidade. 

Enquanto pouco mais da metade dos homens se preocupam sobretudo com roubo (54%) e furto (50%), e uma minoria com estupro (14%) e assédio sexual (15%), 73% das mulheres temem serem assaltadas e vítimas de violência sexual (60%). Coordenadora da Rede Nossa São Paulo, Carolina Guimarães avalia que a pesquisa sintetiza como o ambiente da casa limitou mais as mulheres e o modo como a parcela feminina vivencia de maneira desigual a cidade. Segundo ela, esse medo descrito na pesquisa “inibe o acesso delas ao direito à cidade”. 

O impacto da pandemia

Carolina ainda destaca que a epidemia do novo coronavírus escancarou todas essas desigualdades, que se aprofundam quando essas mulheres são negras e periféricas. “Raça e território são marcantes na pandemia”.  Ainda nesse momento de restrições e isolamento social, os aplicativos de celular se consolidaram como o meio com o qual as mulheres mais se sentiram à vontade para denunciar a violência de gênero. O uso de dispositivos como o Clique 180 e o Mete a Colher saltou de 32% para 40%. Em paralelo, as mulheres usaram menos as centrais de atendimento. Como, por exemplo, o 180 (Central de Atendimento à Mulher) e o Disque Denúncia 181, que registraram queda de 25% para 19%. 

Neste Dia Internacional da Mulher, a coordenadora da Rede Nossa São Paulo reflete a “importância do diálogo com diferentes gerações” para mudar estruturalmente esse contexto machista e desigual. “Datas comemorativas são um marco, mas essa luta é diária porque a gente sabe que o problema é estruturante e histórico. Essas pesquisas são um alento, mas também são frustrantes. Porque a gente vê como é difícil mudar os dados e para que isso seja transversal e incorporado por secretarias e pela população”, avalia.

Realizada entre 5 de dezembro e 4 de janeiro, a pesquisa ouviu pessoas de todas as regiões e de diferentes extratos sociais com entrevistas on-line, nas classes A, B e C e domiciliares entre as classes C, D e E. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. 


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