Transição

Advogados divergem sobre acordo da Volkswagen: da negociação ‘possível’ ao peso da reparação

Vítimas não aguentam mais esperar, afirma advogado de ex-trabalhadores

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Lúcio Bellentani, um dos principais nomes do caso, morreu no ano passado

São Paulo – O acordo envolvendo a Volkswagen, anunciado na semana passada por diversas instâncias do Ministérios Público, segue despertando controvérsia. Inclusive jurídica. Nesta sexta-feira (2), por exemplo, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) promoveu debate entre quatro profissionais, que apontaram avanços e limitações do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em relação à memória histórica.

“Esse TAC não é um ponto de chegada, é um ponto de partida”, afirmou o procurador Renan Bernardi Kalil, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Para ele, o acordo – que ainda precisa ser homologado – poderá contribuir com investigações envolvendo outras empresas e seu apoio à repressão durante a ditadura.

Apoio da Volkswagen à repressão

Ele observa ainda que o TAC prevê que a empresa cumpra diversas obrigações para que os três inquéritos civis em andamento sejam arquivados. “Esses inquéritos identificaram a participação da Volks com o aparato repressivo”, lembrou Renan, destacando também o papel das comissões estadual e nacional da da Verdade na apuração. A CNV, por exemplo, tinha um grupo de trabalho específico para apurar a perseguição a trabalhadores e sindicalistas durante o período autoritário. 

Ele avalia que o acordo contribui para a chamada Justiça de Transição. Destaca os pilares básicos: responsabilização, garantia de memória e verdade, reparação e fortalecimento de instituições. “Os Estados têm de proteger os direitos humanos”, lembrou. O procurador destaca a destinação de parte dos recursos (R$ 6 milhões) para a conclusão de um memorial, sob os cuidados da OAB-SP.  Este é um dos pontos mais polêmicos do TAC da Volkswagen.

Memorial para o trabalhador

Os críticos sustentam que o acordo deveria prever um memorial voltado especificamente para a luta dos trabalhadores. O presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, Carlos Nicodemos, sugeriu inclusive o nome do professor Paulo Sérgio Pinheiro “como um perito para elaborar os parâmetros de maneira independente para o memorial, com critérios técnicos internacionais de direitos humanos no campo da memória e verdade”. Havia negociações com a prefeitura para instalar esse memorial na Galeria Prestes Maia, no centro de São Paulo.

Renan, do MPT, observou que o memorial previsto no acordo inclui seção específica para os trabalhadores e para o movimento sindical. Além disso, ficará no antigo prédio da Auditoria Militar, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, também na região central de São Paulo, onde presos políticos eram julgados durante a ditadura. “Não se tratará de um memorial dos advogados, como alguns têm dito”, contestou o procurador aposentado Raimundo Simão de Melo, advogado dos trabalhadores. O fato de ficar no prédio da antiga Auditoria “tem um significado histórico muito importante”, acrescentou.

“Várias alternativas foram cogitadas”, disse Renan, a respeito da localização do memorial. “O projeto do IIEP foi objeto de consideração”, afirmou o procurador. Um dos autores do pedido de investigação, o IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas) defendia a instalação na Galeria Prestes Maia.

Memória e responsabilização

Esse também é o ponto de vista do advogado Aderson Bussinger Carvalho, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ. Ele foi um dos subscritores do pedido de abertura do inquérito, que considera um “marco” no Brasil: “É a primeira grande empresa que é objeto de uma investigação nesse nível”. Apesar disso, ele acredita que o acordo se diluiu e perdeu o foco.

Para ele, a discussão tinha como eixos “a memória em relação à classe trabalhadora e a responsabilização da empresa”. De acordo com Aderson, havia tratativas oficializadas muito avançadas em relação a isso” (memorial na galeria). O advogado afirma que o TAC “saiu do foco principal”. Assim como Nicodemos, ele avalia que um especialista deveria fazer uma perícia para discutir a questão do memorial.

Também faltou definir melhor a questão da reparação por parte da Volkswagen. “Encerrar esse inquérito, a nosso ver, é um marco negativo nessa caminhada de responsabilização”, afirmou Aderson. “Qual será o paradigma disso agora? Não se avançar na responsabilização dos dirigentes? Isso corrobora para a impunidade. Tem muita coisa pra investigar.”

‘As vítimas estão morrendo’

O advogado Raimundo Simão chamou a atenção para os riscos de se levar essa questão para o Judiciário. “A empresa queria muito sair das negociações. As vítimas têm clareza que não se atingiu nessa negociação exatamente o que se queria. Temos que considerar as circunstâncias, o momento político do Brasil, como andam as considerações sobre os direitos humanos e os direitos sociais”, argumentou. Ele também chamou a atenção para o aspecto humanitário da questão.

“Se há protagonistas nesta história, me parece que são as vítimas (os trabalhadores da Volkswagen perseguidos pela ditadura). Ou então todos os envolvidos são protagonistas. Mas as vítimas estão no centro de tudo. Elas não aguentam mais esperar para ver o resultado dessa luta. Elas estão morrendo”, lembrou Raimundo, citando o caso de Lúcio Bellentani, presidente da associação dos ex-funcionários, que morreu em junho do ano passado.

“Nas negociações, chegou-se a um ponto que não vai mais. Ou conclui ou vai ao Judiciário. Seria bom ir ao Judiciário com esse caso?”, questionou o advogado. Ele observou que o TAC somente será executado quando homologado pelos Ministérios Públicos (Federal, do Estado de São Paulo, e do Trabalho). Também não houve restrição ao número de trabalhadores. Eles deverão se habilitar no processo, e o pagamento de indenizações (nesse caso, um total de R$ 16,8 milhões) será determinado por um árbitro.

Mediadora do debate, a presidenta do IAB, Rita Cortez, detacou a importância dos sindicatos, “protagonistas em ações coletivas, inclusive na seara judicial”. E para aqueles “que querem voltar ao passado sem conhecê-lo”, o tema da Volkswagen é importante “pelas suas repercussões sociais e históricas”.