Distorção

Acordo no caso Volkswagen pode ‘rebaixar’ reparação, criticam envolvidos

Alguns dos participantes da ação criticam termos do acordo firmado pelo Ministério Público com a empresa e afirmam terem sido excluídos

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Ex-funcionários protestam contra a Volks. Negociação que resultou em acordo com o Ministério Público levou cinco anos, sempre com polêmica

São Paulo – Anunciado ontem (23), o acordo entre Ministérios Públicos e Volkswagen, envolvendo reparação por apoio à ditadura, foi criticado por alguns dos envolvidos desde o início do processo, como a advogada Rosa Cardoso e o ex-deputado Adriano Diogo. “O acordo firmado está aquém do que foi negociado nos últimos cinco anos e corre o risco de rebaixar o parâmetro das reparações que serão exigidas em novas iniciativas de responsabilização de empresas que cometeram graves violações de direitos humanos na ditadura”, afirmam.

Em nota, eles lembram que a empresa “negou recursos para o projeto de Lugar de Memória das Lutas dos Trabalhadores, em local público de ao menos 500 metros quadrados, já em negociação avançada com a Prefeitura de São Paulo”. Além disso, citam o repasse de R$ 9 milhões ao Fundo de Defesa Direitos Difusos (FDD) estadual e federal, que pertence ao Ministério da Justiça. “Os termos eram inaceitáveis para as organizações envolvidas no processo e contrariavam toda a negociação ao longo destes cinco anos.”

Exclusão e sigilo

Além de Adriano Diogo (que presidiu a Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa paulista) e de Rosa (coordenadora do grupo de trabalho sobre ditadura e repressão aos trabalhadores na Comissão Nacional da Verdade), assinam a nota Adriana Gomes Santos e Antonio Fernandes Neto (coautores de representação contra a Companhia Docas de Santos), o ex-senador e pesquisador José Luiz Del Roio e Sebastião Neto (que assessorou o grupo de trabalho na CNV e é coordenador do IIEP –  Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). “Muito embora os autores da representação tenham manifestado formalmente o desacordo com a proposta, durante as últimas quatro semanas, não houve qualquer comunicação por parte do Ministério Público”, relatam.

“Aqueles que acompanharam o Inquérito, apresentaram a documentação, reuniram testemunhas e lutaram pelo desenvolvimento do caso não foram ouvidos”, acrescentam os autores. “Além de tudo, foi imposto um sigilo sobre as cláusulas do acordo. Sequer foram informados da data em que o TAC seria firmado. Surpreendentemente, a imprensa alemã noticiou a assinatura do acordo com os valores e cláusulas combinadas.”

Eles criticam ainda a postura da Volkswagen no processo. “A empresa quer fazer uma retratação rasa e distorcida, em que trabalhará a cumplicidade com a ditadura como um desvio de conduta de alguns funcionários, e não uma cooperação sistemática e orgânica com a repressão durante mais de três décadas”, afirmam. “As doações feitas serão tratadas pela empresa como uma benevolência e não como uma reparação por sua cumplicidade com a ditadura. Nesse sentido, ela sairá limpa dessa história”, acrescentam na nota. A crítica inclui o MP: “Nesses 5 anos o Ministério Público falava com a Volks e consultava eventualmente os signatários da representação”.

Recomendações e denúncia

Também lembram que o grupo de trabalho apresentou 43 recomendações à CNV, por reparação coletiva contra violações de direitos humanos pela atuação da Volkswagen na ditadura. Além disso, em 2015 um fórum de trabalhadores levou denúncia ao Ministério Público Federal, com apoio das centrais sindicais e personalidades.

Sobre a destinação de outra parte dos recursos, eles observam que R$ 6 milhões irão para o Memorial da Luta pela Justiça, na sede da antiga Auditoria Militar, sob responsabilidade da OAB paulista. “Ou seja, os recursos são para a conclusão do Memorial, não para a memória das lutas dos trabalhadores, que terá apenas um pequeno espaço, de aproximadamente 50 m², inviabilizando, evidentemente, qualquer concepção acumulada entre os lutadores por verdade, memória, justiça e reparação, a exemplo de iniciativas em outros países onde houve de fato passos dados em torno da justiça de transição”.

Casos de impunidade

Por fim, eles afirmam ser favoráveis ao repasse para ajudar nas investigações sobre as ossadas de Perus. “Mas a principal proposta dos signatários – um Espaço de Memória dos Trabalhadores – foi absolutamente diluída.”

Importante frisar que não é o único caso de impunidade da Volkswagen na sua história de participação na ditadura, tendo em vista, por exemplo, o caso de trabalho escravo na Fazenda Rio Cristalino e os incêndios nas florestas do Pará. Não por acaso, Andreas Renschler, membro da diretoria da Volkswagen AG, saudou entusiasmado a eleição de Bolsonaro, ainda em dezembro de 2018″, reforçam. “A Lei da Anistia protege os torturadores e sua reinterpretação dorme há 8 anos nas gavetas do Ministro Fux. Os generais da ditadura e torturadores seguem impunes. As empresas e empresários cúmplices da ditadura têm sono tranquilo. Dormem mal os perseguidos e presos políticos e suas famílias”, finalizam.