Dispersão

Ações na ‘Cracolândia’ não ajudam dependentes nem moradores, mas atendem a interesses imobiliários

Para pesquisadores e ativistas, ações recentes do poder público repetem roteiro de intimidação e violência

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São Paulo – A chamada “Cracolândia”, na região central de São Paulo, não diminuiu, ao contrário do que afirmam prefeitura e governo estadual. “Apenas está mais dispersa”, ocupando vários locais da cidade em vez de um, afirmam pesquisadores. A constatação está em artigo do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Levantamento divulgado por estudiosos e ativistas mostra pelo menos 16 locais de migração das pessoas que frequentam a região.

“Os resultados mostram que a maior parte das pessoas que compõem a aglomeração conhecida como Cracolândia não deixou as ruas centrais da cidade. Apenas passaram a ocupar ruas e calçadas em concentrações menores e itinerantes, em um raio que não ultrapassa 750 metros a partir da Praça Princesa Isabel”, afirmam os pesquisadores. “Essas pequenas aglomerações de pessoas reproduzem as dinâmicas da Cracolândia em diversas esquinas da região da Luz, Santa Cecília, República e Campos Elíseos.”

Resultados desastrosos

O texto traz um mapa de concentrações naquela região. “É importante assinalar que este mapa não dá conta da totalidade de míni cracolândias existentes, apenas ilustra a dispersão no entorno da Praça Princesa Isabel, já que outras partes da cidade também têm pontos conhecidos pela concentração de pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas”, lembram os autores. Eles criticam investidas recentes do poder público na área. “Apresentadas como contra o tráfico de drogas, as ações recentes repetem resultados desastrosos das chamadas operações ‘sufoco’ ou ‘dor e sofrimento’, realizadas em 2012”, observam.

Eles também questionam alegações de prefeitura e governo estadual de que agora há “investigação e inteligência”, ao identificar supostos traficantes que atuam na área. “Porém, para além do cumprimento semanal de mandados de prisão, Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana apenas repetem o roteiro de intimidação e violência. Com uso de cassetetes, spray de pimenta e bombas de gás, para dispersar concentrações de pessoas mantendo-as  circulando por diversos pontos do centro da cidade.”

Desconfiança da população

E afirmam ainda que essas ações, além de “desastrosas”, comprometem serviços de saúde e assistência social, na medida em que a violência causa “forte desconfiança” das pessoas em situação de rua em relação aos órgão públicos. Mas, por outro lado, identificam possíveis interesses econômicos.

“A dispersão da Cracolândia não atende, então, nem aos interesses da população em situação de rua, nem melhora as condições de vida de quem trabalha ou vive em casas e apartamentos no centro da cidade. No entanto, tem um sentido bastante claro de abertura de frentes de expansão imobiliária na região.”

O texto é assinado por Aluízio Marino (pesquisador do Labcidade), Amanda Amparo (antropóloga do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/PPGAS-USP), Ariel Machado Godinho (mestrando no Programa de Pós-graduação em Geografia Humana/PPGH-USP), Daniel Mello (militante d’A Craco Resiste), Giordano Magri (pesquisador da Fundação Getúlio Vargas), Luca Meola (fotojornalista) e Raquel Rolnik (professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade).

Confira a íntegra aqui.