Contra a insensatez

Sociedade civil lança manifesto por ação de governadores contra pandemia. Assista

Carta contra a insensatez do governo Bolsonaro na pandemia será entregue ao governador do Piauí, Wellington Dias, coordenador do Fórum Nacional de Governadores

Marcello Casal Jr. / ABr
Marcello Casal Jr. / ABr
o Brasil é um país que testa pouco para a doença. Além disso, a falta de coordenação nacional da pandemia e a ausência de vigilância epidemiológica implicam nesse cenário incerto

São Paulo – A carta O povo não pode pagar com a própria vida!, assinada por entidades da sociedade civil que defendem os direitos humanos e protocolos científicos, será entregue nesta segunda-feira (15) ao Fórum Nacional de Governadores, liderado pelo governador do Piauí, Wellington Dias em favor de ações de combate à pandemia. O ato será realizado às 11h30 e terá transmissão pela TVT.

Sob a rubrica de Dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); José Carlos Dias, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, da Comissão Arns; Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC); Paulo Jeronimo de Sousa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); e Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a carta é endereçada à governadores, prefeitos, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF), numa tentativa de desentorpecer esses poderes e instituições diante da falta de coordenação e ação do Governo Bolsonaro para o combate à pandemia.

“É mais do que um documento político. É um documento humanitário, que apela para a sensatez, lucidez em contraposição à insensatez que estamos presenciando”, explica Davidovich.

A ação junto aos governadores chega no momento mais dramático vivido pelo país, desde o início da pandemia, decretada em 11 de março de 2020, um ano atrás. Um dia depois, 12 de março de 2020, foi oficializada a primeira morte pela covid-19 no país, que já contava com cerca de 300 casos da doença. Era de uma mulher de 57 anos, internada num hospital da zona leste paulistana.

Desde então o país atravessou sua mais grave crise sanitária do século. Já são 11,5 milhões de infectados e 278 mil mortes. O professor Luiz Davidovich explica que se trata de um movimento “de baixo pra cima” e que propõe o enfrentamento da crise de saúde, que fez com que novas cepas da doença, com características mais agressivas e de maior contágio se propagassem pelo país. “Esses novos vírus nascem onde há descontrole. Onde há falta de cuidados com a população e ameaçam não só a sociedade brasileira, como o mundo inteiro”.

Experiência com o H1N1

O médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz José Gomes Temporão, que foi ministro da Saúde entre 2007 e 2010, lembra que desde o ano passado os pesquisadores e cientistas sanitários têm alertado ao Governo Federal sobre a necessidade de ações mais assertivas contra a disseminação do coronavírus. “Falo da experiência de quem viveu, como ministro, a pandemia do H1N1. O governo e vários órgãos, ministérios e instituições, compõem um comitê permanente, presidido pelo Ministério da Saúde, que vai a partir dali estabelecer todos os processos e estratégias de enfrentamento. É algo complexo. O governo começou fazendo isso, através do ministro (Luiz Henrique) Mandetta e do ministro (Nelson) Teich.  Mas, rapidamente, o olhar do presidente da república e de quem o assessorava à época contaminou todo o processo”.

Temporão relembra que o resultado foi o desmonte e ruptura do ministério e a nomeação do general Pazuello, uma pessoa desqualificada ao cargo e que compôs uma equipe também desqualificada. “Perdeu-se a integridade do órgão público federal, responsável por liderar esse esforço. É ele (Ministério da Saúde) que mobiliza a sociedade e monta um plano de comunicação com transparência. Quem discute com estados e municípios. Quem convoca as forças vivas do país pra somar esforços”, enumera, defendendo ações intersetoriais que unam políticas de emprego, econômica, alimentar, saúde e educação.

“Fizeram exatamente o contrário. Apostaram que o vírus iria sumir, que viriam medicamentos que, tomados precocemente, poderiam impactar na precaução da doença”, lamenta, concluindo. “Em vez de sentar com o Butantã e o Bio-Manguinhos, e chamar os cientistas. De conversar com o PNI (Plano Nacional de Imunização), que é o melhor programa de vacinação do mundo, lá em maio e prospectar as vacinas candidatas e fazer pré-contratos”.

O ex-ministro acredita que a eventual substituição do ministro Eduardo Pazuello, que ganhou força no domingo (14), não resolveria a falta de rumos. “Teria que mudar tudo. Fazer uma autocrítica, dizendo que ivermectina e hidroxicloroquina não funcionam. Que o que funciona é isolamento e buscar mais vacinas. O que tem acontecido é o esforço de governadores e prefeitos, que busca fazer frente diante da ausência da autoridade sanitária nacional, que é o Ministério da Saúde”.