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Governo Alckmin muda critério para contar mortes provocadas por policiais

Secretaria adota nas estatísticas apenas mortos 'no cumprimento do dever'. Para direitos humanos, nova metodologia vai esconder a violência de policiais em atividades criminosas, como em chacinas

arquivo/ABr

Ouvidor das Polícias de SP contesta a mudança: “Se policial mata, tem que entrar na letalidade”

São Paulo – A Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo modificou a metodologia do levantamento sobre a letalidade policial em São Paulo. A mudança, segundo o secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, ocorreu em março, antes da divulgação do balanço do segundo trimestre (abril a junho) deste ano, mas só foi percebida pela imprensa após a divulgação do levantamento do terceiro trimestre.

O secretário explicou, em entrevista no fim da tarde de ontem (26) na sede da SSP, no centro da capital paulista, que a nova metodologia classifica como letalidade policial os casos em que policiais militares ou civis matam em cumprimento do dever, seja quando ele está trabalhando ou de folga. Ou seja, quando está defendendo a sua vida ou de um terceiro.

No entanto, segundo Moraes, quando um policial mata fora do cumprimento do dever essas mortes passaram a ser classificadas como homicídios e deixaram de fazer parte do balanço de letalidade policial. O próprio secretário citou as chacinas como exemplo, como as que ocorreram em agosto deste ano em Osasco e Barueri, em que 19 pessoas foram assassinadas. Segundo ele, o novo método dará mais transparência aos números.

“Toda morte praticada ou causada por policial civil ou militar, fora de serviço, mas que, se entenda que, na hora do flagrante, foi ou em legítima defesa de terceiro ou própria, o que não constava antes [no balanço], ou exercício regular de direito, se não foi considerada pelo delegado como homicídio, consta como morte decorrente de intervenção policial fora de serviço”, explicou. Na metodologia anterior, de acordo com Moraes, esses dados não “constavam de forma global ou com todos os casos” como é feito agora.

“Antes constava como homicídio doloso fora de serviço, reações. Mas só quando era reação de legítima defesa ou exercício regular de direito. Não constavam todos os dados de legítima defesa de terceiros, ou seja, não eram todos os dados”, acrescentou o secretário. “Chacina é contada como homicídio, não é letalidade policial”, afirmou.

Perguntado se a nova metodologia não esconderia os dados de mortes provocadas por policiais de forma ilícita, ou seja, criminosa, como em casos de chacinas, o secretário respondeu que não. “Pode-se concordar ou não com o critério, mas há um critério, que é mundial. Letalidade policial, em serviço, ou fora de serviço, presume atividade lícita. Qualquer atividade ilícita é homicídio”.

Obscuro

Um representante da secretaria informou que esse tipo de classificação, que separa os homicídios provocados por civis e policiais, não existe “em nenhum lugar”. E que a imprensa e a população poderiam ter acesso a esses dados consultando os boletins de ocorrência nas delegacias de homicídios múltiplos ou solicitando ajuda do Poder Judiciário, do Ministério Público ou da Ouvidoria.

Mas para o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Rildo Marques, a nova metodologia esconde, sim, as mortes provocadas por policiais. “Claro que não é transparente. Com isso ele vai fazer cair o número de participação de policiais em mortes de civis”, disse. Para Marques, “a maneira de apresentação do dado é uma forma de diminuir a participação de policiais [no balanço]”.

“O secretário de Segurança apresentou os policiais responsáveis pelas chacinas de Carapicuíba e parte dos policiais responsáveis pelas chacinas de Osasco e Barueri. Mas ele não fala a motivação. Qual foi o motivo das chacinas? Se pegar a motivação, possivelmente vai esbarrar nas motivações por ações policiais”, afirmou o presidente do Condepe.

Já ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, disse que a mudança de metodologia “foi uma surpresa”, embora tenha notado alterações na forma de divulgação dos dados. “No Diário Oficial vem constando todas as formas. Mas na hora de divulgar para a imprensa, divulgam de outra forma”, afirmou o ouvidor.

Para Julio Cesar, “é necessário que as mortes provocadas por policiais sejam computadas como letalidade policial. Se policial mata, tem que entrar na letalidade”. “Não sei qual é o objetivo dessa mudança”.

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