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Combate à exploração sexual esbarra na invisibilidade por falta de denúncias

Em cidades que recebem grandes obras os casos de violação se tornam mais frequentes e complexos, mas precisam ser denunciados para serem enfrentados

arquivo/RBA

Casos de violação se tornam mais frequentes e complexos em cidades que recebem grandes obras e empreendimentos

Fortaleza – O combate à exploração sexual de crianças e adolescentes passa, antes de tudo, pela necessidade de reconhecimento do problema, avaliam especialistas ouvidos pela Agência Brasil. Com a chegada de centenas de trabalhadores a cidades que recebem grandes obras e empreendimentos, os casos de violação se tornam mais frequentes e complexos, mas precisam ganhar visibilidade para ser enfrentados.

Na região metropolitana de Fortaleza, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), localizado em São Gonçalo do Amarante, vem crescendo com a construção, nos últimos anos, da Usina Termelétrica Energia Pecém e da Companhia Siderúrgica do Pecém. Com as obras, as cidades do entorno (além de São Gonçalo do Amarante, Caucaia e Paracuru) assistem à chegada de novos moradores (funcionários das empresas do complexo, muitos oriundos de outros estados) e o fenômeno da exploração começa a ficar mais evidente.

“Uma questão muito difícil é a da cultura que pensa a exploração sexual como algo normal, rentável e, por isso, aceitável, como se não fosse uma violência. As famílias, às vezes, se deparam com os trabalhadores da área ‘namorando’ suas filhas e não percebem algumas relações de violência sexual que se dão nesse processo ou, se percebem, não pensam em como denunciar”, relata o articulador institucional da Associação Barraca da Amizade, Marcos Levi Nunes.

Um reflexo da invisibilidade desses casos é o fato de o município de Caucaia só ter registrado duas denúncias de exploração sexual em todo ano de 2014, lembra Levi Nunes.

“O fenômeno existe, mas os casos nem chegam a ser denunciados, porque se entende que são coisas das famílias, do desenvolvimento chegando. São falas que a gente escuta. Percebemos que a exploração sexual existe, os equipamentos de atendimento são insuficientes ou nem existem, mas de alguma forma essa situação não melhora porque a demanda não chega. Se eu não tiver uma denúncia, não vou precisar de uma delegacia especializada”, avalia Nara de Moura, articuladora institucional da Associação da Barraca da Amizade.

Neste dia 18 de maio, Dia de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a Barraca da Amizade, em conjunto com entidades sociais locais, apresenta um mapeamento do sistema de garantia de direitos dos três municípios da região metropolitana de Fortaleza. Embora vizinhas, as cidades apresentam realidades distintas. Enquanto Caucaia tem uma rede de atendimento relativamente implementada, São Gonçalo do Amarante ainda precisa consolidar estrutura. E esse trabalho também passa pelo reconhecimento do problema.

O mapeamento é a primeira de três atividades de um projeto da Barraca da Amizade – patrocinado pela Petrobras. Depois dessa primeira etapa, haverá uma formação com as instituições que foram mapeadas nos municípios e a elaboração de um plano de comunicação para estabelecer fluxos de informações entre as entidades em cada cidade.

“Nossa intenção é ser parceiro dos três municípios para fortalecê-los. O mapeamento é uma ferramenta para que possamos ampliar as possibilidades de fortalecimento, mas devem existir outras a serem apontadas pelos demais parceiros. Queremos fortalecer os dois lados: a sociedade civil, para fiscalizar o Poder Público e monitorar as políticas públicas, e o Poder Público, para que ele responda às demandas”, aponta Levi.

No CE, faltam recursos

O princípio constitucional da prioridade absoluta para crianças e adolescentes vem sendo deixado de lado no estado do Ceará o que tem atingido as políticas de enfrentamento à exploração sexual, na avaliação da assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará), Nadja Bortolotti. De pioneiro na elaboração do Plano Estadual de Enfrentamento ao Abuso e à Violência Sexual, o estado passou a reduzir recursos e até mesmo a excluir alguns programas nas leis orçamentárias anuais.

“O que vemos, atualmente, principalmente desde 2010, é que parece que o tema da exploração sexual voltou para a esfera da invisibilidade, como ocorria no início dos anos 1990. Autoridades públicas dão a entender que a exploração sexual de crianças e adolescentes não existe mais, que já foi superada. Isso ocorre em contraponto a dados existentes e a uma realidade que está a olhos vistos quando passeamos pela orla ou quando passamos pelas BRs”, disse.

“Esse não reconhecimento do problema como algo importante e grave se reflete no orçamento público, justificando o pouco investimento e uma baixa execução dos recursos”, analisa a assessora jurídica do Cedeca.

O Cedeca realizou, em 2014, o Monitoramento da Política de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual. No estudo, há um capítulo dedicado à análise dos recursos públicos voltados ao enfrentamento dessa questão. Entre 2010 e 2012, é possível observar não só a baixa execução das ações no âmbito estadual, mas também a exclusão de algumas dessas iniciativas de um ano para outro.

Um exemplo é a rubrica Reaparelhamento e Modernização da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) e Delegacia de Combate à Exploração de Criança e Adolescente (Dececa) que, em 2010, tinha R$ 250 mil disponíveis. Entretanto, nenhum recurso foi executado. Em 2012 e 2013, a rubrica saiu dos orçamentos e não aparece nas leis orçamentárias anuais de 2014 e de 2015, disponíveis no Portal da Transparência do governo do estado.

Em nota, a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), responsável pelas políticas de combate à exploração sexual, afirmou que a reforma financeira feita pelo governo do estado do Ceará vem sendo tratada de forma satisfatória, “sem prejuízos aos projetos que vêm sendo executados pela pasta”.

No âmbito municipal, as políticas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes são executadas por meio da Rede Aquarela, gerida pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci). Comparando o monitoramento feito pelo Cedeca com a Lei Orçamentária de Fortaleza para 2015, as verbas destinadas para a rede tiveram um aumento de 27% – passou de R$ 1,01 milhão para R$ 1,3 milhão.

Os recursos também são maiores que os de 2013, quando foram destinados R$ 911,2 mil para a Rede Aquarela. A execução desse orçamento, no entanto, foi de apenas 4,19%.

A presidente da Funci, Tânia Gurgel, explica que o orçamento de 2015 é “factível” e que, além desses valores, a fundação atua em parceria com outras pastas. “Fazemos um trabalho conjunto com a saúde e a educação, por exemplo, pois todas elas têm um recorte nessa questão.”

A capital do estado do Ceará foi apontada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual da Câmara dos Deputados como segunda rota de turismo sexual no Brasil, atrás somente do Rio de Janeiro. O panorama foi ampliado pela CPI da Câmara dos Vereadores de Fortaleza, que apontou 74 pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes na cidade, abrangendo tanto locais turísticos como a periferia e envolvendo não só turistas, mas a própria população local.

Em conjunto com a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) do governo do estado, a Funci deu início à campanha em alusão ao Dia de Enfrentamento ao Abuso e à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, lembrado hoje (18), com abordagens em áreas estratégicas da cidade para conscientizar as pessoas sobre o problema. “Queremos mostrar que a violência contra crianças e adolescentes faz mal para qualquer sociedade”, afirma Tânia.