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Drogas: política de Alckmin se baseia em modelo fracassado nos EUA, diz psiquiatra

Para Dartiu Xavier da Silveira, no Brasil ainda se luta por direitos básicos que na Europa vigoram há décadas, como o cidadão não ser chamado de traficante por consumir substância ilícita

José Patrício/Folhapress

Carga apreendida no interior paulista: prevalece visão de que droga é questão exclusivamente repressiva

São Paulo – Enquanto boa parte do mundo, como a Europa, desenvolve políticas ou implementa políticas públicas que apontam para uma visão mais racional da questão das drogas e dos dependentes químicos, o Brasil ainda pratica a repressão e a internação.

Segundo o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor do Programa de Orientação e Tratamento a Dependentes (Proad), a política de drogas do governo de Geraldo Alckmin (PSDB), em especial, ainda se baseia na filosofia adotada nos Estados Unidos, o chamado modelo de “guerra às drogas”. Nos EUA, foram bilhões de dólares nessa guerra, que nos anos 1990 se comprovou fracassada.

Segundo estimativas bem aceitas, mais de 50% dos presidiários nos EUA estão presos por problemas com drogas e, desses, 89% têm menos de 30 anos, a maioria dos quais sem antecedentes criminais.

“Quando realmente os EUA já tinham pesquisas muito contundentes em 1991 sobre a ineficácia do modelo, depois disso o Brasil ainda continuou importando, e ainda há quem defenda isso. Toda a política do governo Alckmin é baseada nesse modelo”, afirma.

Em entrevista à RBA, Dartiu Xavier compara os projetos de lei do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), aprovado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado, e do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), protocolado há um mês, ambos tratando sobre o consumo de maconha. Ele comenta sobre os eventuais danos provocados pelas drogas e os benefícios medicinais da maconha.

Como avalia os projetos de lei do deputado Osmar Terra, que já foi aprovado na Câmara, com o do Jean Wyllys?

Estão completamente em oposição. O projeto do Osmar Terra eu chamaria de medieval, ele vai contra todo o bom senso, tudo que se está discutindo em termos de tendência no mundo sobre política de drogas. O do Wyllys vai muito mais acompanhando uma nova maneira de ver a questão. O Osmar Terra puxa para as coisas mais reacionárias, comprovadamente ineficazes, baseado, em linhas gerais, naquilo que a gente chama de modelo de guerra às drogas, que é algo que foi prevalente nos Estados Unidos no final do século passado, uma maneira de olhar o problema baseado em ideologia, e que foi bastante desastroso do ponto de vista prático, prejudicou muita gente, foi responsável por muitos danos à humanidade.

O senhor mencionou, na sua fala no Senado, no ano  passado, que o Brasil adotou esse modelo mesmo depois de o fracasso ter sido comprovado nos Estados Unidos.

Isso. Quando realmente os EUA já tinham pesquisas muito contundentes em 1991 sobre a ineficácia do modelo, depois disso o Brasil ainda continuou importando, e ainda há quem defenda isso. Toda a política do governo Alckmin é baseada nesse modelo.

Sobre a questão psiquiátrica, há quem diga que a maconha faz mal, outros que não. O que o senhor tem observado quanto a isso?

Tanto faz, álcool, maconha, heroína. Uma droga vai ser boa ou má não por causa da droga em si, mas dependendo da pessoa, do padrão de uso. Tem pacientes meus que tiveram problemas graves com maconha do ponto de vista de uma dependência. Agora, as estatísticas mostram que a cada 100 pessoas que consomem maconha, 9 se tornam dependentes. Isso significa que 91% de quem consome maconha não vai ter esse problema. Para o álcool essa porcentagem é 15%. A cada 100 pessoas que bebem, 15 vão se tornar dependentes, ou seja, se você pensar em riscos de dependência, é muito maior com o álcool do que com a maconha. Isso não quer dizer que a maconha não possa fazer mal. Faz, faz muito mal, mas para uma minoria.

'Na Europa há políticas de tolerância com a maconha há mais de 20, 30 anos', afirma especialistaQue tipo de mal?

O pior mal é a pessoa passar à categoria de dependência, como o álcool.Você não consegue mais ser um usuário recreacional, e começa a ser um usuário compulsivo. Agora, isso é uma coisa teoricamente possível de acontecer com qualquer droga. Outra coisa que também não se recomenda é que se use maconha se você tiver um problema mental grave, tipo psicótico. Aí você piora.

Como vê a politica ou a posição do governo federal em relação a esse assunto?

Eu acho que a postura do governo federal é ambígua, acho que eles realmente têm discursos antagônicos, nesse momento. Se você pegar o Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça, são órgãos do governo que têm políticas muito claras no sentindo de aceitar redução de danos, de aceitar uso controlado, de fugir dessa postura coercitiva e repressiva que eu chamo de repressão só para o grande traficante. As portarias desses órgãos são bastante claras, apoiando medidas mais ousadas. Eu diria que a política do Brasil é uma política excelente na área de drogas, está evoluindo bastante.

O deputado Jean Wyllys diz que o governo Dilma não fez nada nesse sentido e foge do debate.

Exatamente, ele está certo, porque embora as diretrizes do Ministério da Saúde sejam essas, na prática as ações não refletem a própria diretriz do ministério. Por isso ela é ambígua. O ex-ministro da saúde, Alexandre Padilha, já defendeu publicamente as internações compulsórias ao falar de politica pública. Não é que eu seja contra a internação compulsória. Tem pacientes meus que eu interno compulsoriamente, mas isso é uma medida de exceção de conduta médica. Você adotar isso como política pública seria política higienista. Só que na hora que ele vai responder, Padilha não explicita isso, que está defendendo a internação nos casos de excepcionalidade. Fala de um jeito que parece para agradar a bancada evangélica, agradar essa turma das comunidades terapêuticas. Então eu concordo com essa fala de que o atual governo federal é realmente muito omisso em pautar de uma forma mais contundente a suas próprias políticas.

Existe uma tendência liberalizante clara, hoje, em relação à maconha, considerando exemplos como Colorado, nos EUA, Portugal, o Uruguai e outros?

Eu acho que é uma tendência que não é de hoje. Agora mais recentemente ela está mais explícita. Na Europa existem políticas há mais de 20, 30 anos de muita tolerância com a maconha. Por exemplo, eu trabalhava com dependência química em Paris, há 20 e tantos anos, e lembro que os guardas não prendiam um adolescente francês que estava fumando maconha na rua, embora fosse uma droga ilícita, e embora a postura da França não fosse nada ousada em termos de modernidade. Era um país até considerado tradicional demais, mas era senso comum que você não vai pegar e prender um adolescente porque ele está usando maconha. Isso 20, 30 anos atrás. E hoje em dia, a gente aqui ainda está brigando pelo direito do indivíduo de poder não ser chamado de traficante só porque está consumindo uma droga ilícita.

E ir parar em um presídio por causa disso…

Parar em um presídio por causa disso, ou parar em um hospital psiquiátrico, que é a postura coercitiva da psiquiatria brasileira.

Como o senhor vê a questão do uso medicinal da maconha?

Tem três trabalhos de pós-graduação que eu orientei sobre o uso medicinal de maconha. Só eu, mas existe uma literatura imensa na medicina mostrando o benefício do efeito terapêutico da maconha, como epilepsia, por exemplo. Há algumas formas de epilepsia, algumas doenças neurológicas, como por exemplo a esclerose múltipla, doenças em que existe um emagrecimento brutal, de até ameaça à vida de tanta perda de peso, e a maconha permite que você recupere o peso. Entre essas doenças talvez a mais importante seja Aids. Existem alguns tipos de câncer que regridem com o uso de maconha. Por exemplo, um tipo de câncer cerebral que se chama glioma. Aliás, eu publiquei no ano passado um artigo sobre isso em uma revista alemã. Câncer de mama, câncer de intestino e câncer de próstata se beneficiam da maconha. Podem regredir.

Tem efeito positivo também sobre a dor?

Justamente, essas dores neurológicas a gente chama de dor neuropática. É muito usada para isso nos Estados Unidos.

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