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Depois de ocupar prédio, sem-teto convidam locatários ao movimento

Lideranças afirmam que convite é para 'formação de base'. Oficialmente pessoas com alto comprometimento da renda com aluguel fazem parte do déficit habitacional

Gisele Brito/RBA

Ocupação na Rua Libero Badaró expõe cartolina com o convite. Desde o final de semana 80 pessoas vivem no local

São Paulo – Depois de ocuparem prédios na região central de São Paulo, grupos de sem-teto convidam pessoas que moram de aluguel a participar de reuniões e a se juntar ao movimento. O convite, escrito a mão em uma cartolina, pode ser visto na porta de algumas das ocupações. O mecanismo, afirmam as lideranças, é usual e serve para fazer “formação de base”.

“Às vezes, se a pessoa não tem um conhecido envolvido, não sabe como participar e fica até acanhada de entrar e perguntar. Aí algumas ocupações se colocam para facilitar”, explica Nelson Cruz, do Movimento Sem Teto do Centro.

Na rua Libero Badaró, 452, no centro da capital, o cartaz chama atenção de quem passa pela calçada. “Do jeito que as coisas vão, logo, logo vou ter que vir bater aqui mesmo”, diz a atendente Flávia Dias Souto, de 25 anos, moradora do Brás.

Segundo Ana Cristina da Silva, coordenadora da ocupação e militante da Frente de Luta por Moradia, não há vagas no prédio de quatro andares, que abriga 80 pessoas, apesar de ter capacidade para 50. O edifício está ocupado desde o último fim de semana.

“A gente tem reunião do grupo de base uma vez por mês. Antes de participar da ocupação, as pessoas frequentam uns seis meses. Agora, se chegar uma mulher, com dois, três filhos, sem lugar para morar, a gente arruma um jeito”, conta Cristina.

O perfil de público que os movimentos tentam atrair é de pessoas que vivem contra a vontade em coabitação e aquelas que têm carga excessiva de aluguel. Os dois itens, segundo o Instituto de Pesquisas Econômica Aplicadas (Ipea), caracterizam pessoas que compõe o déficit habitacional, que chegava a 5,2 milhões unidades em 2012, último ano pesquisado.

Também são considerados componentes do déficit habitações precárias e muito adensadas, no caso de dormitórios alugados divididos por mais de três pessoas. Porém 43,73% do déficit ocorrem por conta do gasto excessivo com aluguel.

Flávia contou que mora com o marido e a filha, de seis meses, bebê que precisará de um quarto em breve. Caso não consigam improvisar no imóvel que alugam hoje, terão de se mudar. O que a atemoriza. “É difícil conseguir alugar com criança e está ficando muito caro aqui (no Brás). Talvez tenha que ir para mais longe. Mas aí complica, porque eu trabalho aqui e meu marido também”, pondera.

“A maioria das pessoas das ocupações trabalha. Como hoje em dia ou você come ou você paga aluguel, a gente convida elas a participarem das reuniões, se envolver com o movimento e tomar consciência do que têm direito. Moradia é um direito”, reforça Cristina.

O prédio na rua Líbero Badaró foi ocupado com outros 19 edifícios no último fim de semana por manifestantes ligados à União Nacional de Moradia Popular (UNM), à Central de Movimentos Populares (CMP) e à Frente de Luta por Moradia em mobilização da Jornada de Luta por Moradia, que teve ações em várias cidades do país.

Eles pedem a elevação do teto do programa federal Minha Casa, Minha Vida Faixa 1, destinado a pessoas de baixa renda. Atualmente, essa faixa, que tem subsídio de mais de 90% do valor do imóvel, atende a famílias com renda domiciliar de até R$ 1.600. Os movimentos querem que esse limite suba para o equivalente a três salários mínimos. Eles alegam que em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, onde a média salarial é mais alta, famílias com essa renda não conseguem acesso nem pelo mercado, nem por meio do programa habitacional.

Na cidade de São Paulo, há pautas relacionadas à prefeitura e ao governo do estado.

Os movimentos cobram o cumprimento de uma promessa do governador Geraldo Alckmin (PSDB) que, em reunião em agosto, acordou que 10 mil unidades seriam construídas no sistema de autogestão, quando as entidades de moradia ficam responsáveis por elaborar projetos e contratar os serviços relacionados à obra. Os movimentos consideram esse sistema fundamental para enfrentar o setor da construção civil, que produz imóveis menores por valores mais altos. Apesar do compromisso, não houve avanço da pauta.

Já no nível municipal, os manifestantes afirmam que, apesar do diálogo e a promessa de construir 55 mil unidades habitacionais, o prefeito Fernando Haddad (PT) não apontou quantos e quais serão destinados aos sem-teto engajados em movimentos.

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