Ação ilegal

MPF no Rio pede condenação de agentes do Estado por sequestro de militante em 1970

Procuradores querem também cancelamento de aposentadorias, anulação de condecorações e indenização à família de Mário Alves de Souza Vieira

São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro denunciou cinco agentes do Estado pelo sequestro, em 1970, do militante comunista Mário Alves de Souza Vieira. Os procuradores pedem a condenação pelo crime de sequestro qualificado, com reconhecimento de circunstâncias agravantes, como motivo torpe, tortura e abuso de autoridade. Além disso, o MPF requer na denúncia a perda do cargo público dos denunciados, com o cancelamento das aposentadorias e anulação de condecoração. Por fim, os procuradores pedem ainda o pagamento de indenização de R$ 100 mil a título de reparação material à família da vítima.

O MPF identificou, após “longa coleta de informações para reconstrução histórica dos eventos de sequestro, tortura e desaparecimento de Mário Alves”, cinco agentes que atuaram no Destacamento de Operações de Defesa Interna-Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) do Rio: Luiz Mário Valle Correia Lima (conhecido como tenente Correia Lima), Luiz Timótheo de Lima (o inspetor Timóteo), Roberto Augusto de Mattos Duque Estrada (capitão Duque Estrada), Dulene Aleixo Garcez dos Reis (tenente Garcez) e Valter da Costa Jacarandá (major Jacarandá).

“De acordo com diversas testemunhas e documentos obtidos pelo MPF, Mário Alves foi preso ilegalmente, sequestrado e barbaramente torturado pelos acusados, estando até o presente momento desaparecido”, diz o MPF. A prisão ocorreu em 16 de janeiro de 1970. Segundo o Ministério Público, ele saiu por volta das 20h de sua casa, no bairro da Abolição, subúrbio da zona norte do Rio, dizendo que voltaria logo. Mas foi preso e levado ao quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, também na zona norte. “Lá, Mário foi submetido a severas torturas durante toda a madrugada. Na manhã seguinte, foi visto por vários presos, sangrando, mas ainda vivo, quando foi retirado da cela para depois desaparecer.”

Pela denúncia, Mário Alves foi torturado até as 4h do dia 17. Foi visto por outros presos em mau estado de saúde, mas ainda vivo. “Para o MPF, a mera possibilidade de que a vítima esteja morta, em razão do tempo decorrido ou por outros motivos, não afasta a tipificação dos fatos como crime de sequestro qualificado, uma vez que o paradeiro da vítima, após 1970, somente é conhecido pelos denunciados”, afirmam os procuradores, que citam na argumentação o órgão máximo do Judiciário brasileiro. “Este também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que decidiu por essa tipificação em vários casos de desaparecidos políticos na Argentina, ao julgar pedidos de extradição para aquele país. Não há prescrição ou anistia do crime, pois o crime de sequestro é um delito permanente, que continua se consumando durante todo o tempo em que a vítima é privada de sua liberdade.”

Os autores da denúncia entendem que a ação foi ilegal, porque os agentes do Estado não estavam “legalmente autorizados a privar pessoas de sua liberdade indefinidamente, sem comunicação às autoridades judiciárias, tampouco de fazê-las desaparecer, nem mesmo de acordo com a ordem jurídica autoritária vigente na data dos fatos”. Segundo o MPF, a denúncia “comprova que a vítima, Mário Alves, sofreu grave sofrimento físico e moral em razão do longo período de sequestro, do regime de incomunicabilidade a ele imposto e das torturas a que foi submetido”.

Fundador e líder do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o baiano Mário Alves de Souza Vieira nasceu em 14 de junho de 1923. Foi integrante da União Nacional dos Estudantes e do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O seu nome integra a lista oficial de desaparecidos.