Comissão da Câmara aprova anistia a sobreviventes de massacre de sem-terra em Rondônia
Trabalhadores rurais foram condenados com base em investigação da Polícia Militar, responsável pela morte de ao menos 11 trabalhadores rurais em 1995 em Corumbiara
Publicado 24/04/2013 - 16h07
Depois da aprovação na CCJ, a anistia a policiais e camponeses segue ao plenário da Câmara (Foto: Zeca Ribeiro. Agência Câmara)
São Paulo – A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) aprovou hoje (24) a proposta de anistia aos trabalhadores rurais e aos policiais militares condenados pelo massacre de Corumbiara, ocorrido em 1995 em Rondônia. O Projeto de Lei 2.000, de 2011, teve oposição apenas do deputado Moreira Mendes (PSD-RO), integrante da frente parlamentar do agronegócio, e será apreciado agora em plenário.
Se passar pelas duas casas do Congresso, o texto garantirá a absolvição dos sem-terra Claudemir Gilberto Ramos e Cícero Pereira Leite. Os dois foram condenados em 2000 pelo Tribunal de Justiça de Rondônia com base em acusação do Ministério Público Estadual, que tomou como referência o inquérito elaborado pela Polícia Militar de Rondônia, envolvida direta na morte de 11 trabalhadores rurais, entre eles uma criança, durante o massacre.
Na ocasião, o promotor Elício de Almeida e Silva afirmou que os dois reduziram 2.300 trabalhadores à condição de reféns. Segundo a apuração promovida pela polícia, documentos foram retidos e havia um grupo de homens armados que proibia os sem-terra de deixarem a Fazenda Santa Elina, ocupada em julho de 1995. Para o promotor, Claudemir e Cícero conseguiram “aliciar humildes lavradores”, que ocuparam a área “iludidos” com a possibilidade de obter uma terra. Os dois acabaram condenados, respectivamente, a oito anos e meio e seis anos e dois meses de prisão, com sentença ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2004.
Inicialmente, o projeto do deputado João Paulo Cunha propunha a anistia aos trabalhadores rurais, mas, a pedido da família de Claudemir, o relator do projeto na CCJ, Vieira da Cunha (PDT-RS), estendeu o benefício aos policiais condenados. Os soldados Daniel da Silva Furtado e Airton Ramos de Morais e o tenente Vitório Regis Mena Mendes, comandante da operação e acusado de receber presentes do mandante do crime, receberam sentenças de 16, 18 e 19 anos e meio de reclusão.
Tratou-se de uma tentativa de vencer a resistência de Moreira Mendes, que considera que os policiais atuaram em cumprimento da função pública ao reprimirem e matarem trabalhadores rurais, e avaliou que a aprovação da anistia seria um estímulo a novas ocupações de terra, classificadas por ele como “invasões”. Mesmo após a mudança, durante a sessão de hoje o parlamentar de Rondônia manteve o voto em separado contra a proposta.
Histórico
Na tarde de 8 de agosto de 1995, policiais militares e trabalhadores rurais que ocupavam a Fazenda Santa Elina negociaram que a ocupação seria mantida e que dentro de 72 horas seria trazida uma posição oficial dos órgãos governamentais a respeito da possibilidade de destinação da área a reforma agrária.
Na madrugada do dia 9, porém, agentes de segurança e pistoleiros entraram no acampamento disparando contra os sem-terra. No início da manhã, quando os sem-terra já estavam dominados, os PMs passaram a promover torturas, estupros e assassinatos. O saldo final foi de ao menos 11 mortos entre os trabalhadores rurais e de dois policiais – os camponeses dizem que o número é maior, mas a investigação não levou em conta a possibilidade de haver uma vala onde foram enterradas vítimas.
Na impossibilidade de chegar aos responsáveis pelas mortes dos dois policiais, o Ministério Público Estadual atribuiu as mortes a quem considerou como líderes do acampamento. A mesma decisão não foi tomada em relação aos policiais. A acusação diz ainda que trabalhadores rurais foram feridos por Claudemir e Cícero, incluindo o irmão de Claudemir, Clóvis Ramos. A promotoria diz ainda que os comandantes da ocupação abandonaram o local, embora elenque o depoimento de Claudemir, ferido, como exemplo dos abusos cometidos pelos policiais.
Em 2000, depois da condenação, Claudemir se recusou a cumprir a pena. De lá para cá, ele se denomina um “foragido da injustiça”. Em 2004, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Brasil procedesse a uma investigação séria do caso, conduzida por um órgão desligado da Polícia Militar. “O Estado tem a obrigação internacional de determinar, através de órgãos judiciais independentes e imparciais, se a força utilizada foi excessiva e, de ser esse o caso, deve sancionar os responsáveis”, conclui a entidade, integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA).