Comissão da Câmara aprova anistia a sobreviventes de massacre de sem-terra em Rondônia

Trabalhadores rurais foram condenados com base em investigação da Polícia Militar, responsável pela morte de ao menos 11 trabalhadores rurais em 1995 em Corumbiara

Depois da aprovação na CCJ, a anistia a policiais e camponeses segue ao plenário da Câmara (Foto: Zeca Ribeiro. Agência Câmara)

São Paulo – A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) aprovou hoje (24) a proposta de anistia aos trabalhadores rurais e aos policiais militares condenados pelo massacre de Corumbiara, ocorrido em 1995 em Rondônia. O Projeto de Lei 2.000, de 2011, teve oposição apenas do deputado Moreira Mendes (PSD-RO), integrante da frente parlamentar do agronegócio, e será apreciado agora em plenário.

Se passar pelas duas casas do Congresso, o texto garantirá a absolvição dos sem-terra Claudemir Gilberto Ramos e Cícero Pereira Leite. Os dois foram condenados em 2000 pelo Tribunal de Justiça de Rondônia com base em acusação do Ministério Público Estadual, que tomou como referência o inquérito elaborado pela Polícia Militar de Rondônia, envolvida direta na morte de 11 trabalhadores rurais, entre eles uma criança, durante o massacre.

Na ocasião, o promotor Elício de Almeida e Silva afirmou que os dois reduziram 2.300 trabalhadores à condição de reféns. Segundo a apuração promovida pela polícia, documentos foram retidos e havia um grupo de homens armados que proibia os sem-terra de deixarem a Fazenda Santa Elina, ocupada em julho de 1995. Para o promotor, Claudemir e Cícero conseguiram “aliciar humildes lavradores”, que ocuparam a área “iludidos” com a possibilidade de obter uma terra. Os dois acabaram condenados, respectivamente, a oito anos e meio e seis anos e dois meses de prisão, com sentença ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2004. 

Inicialmente, o projeto do deputado João Paulo Cunha propunha a anistia aos trabalhadores rurais, mas, a pedido da família de Claudemir, o relator do projeto na CCJ, Vieira da Cunha (PDT-RS), estendeu o benefício aos policiais condenados. Os soldados Daniel da Silva Furtado e Airton Ramos de Morais e o tenente Vitório Regis Mena Mendes, comandante da operação e acusado de receber presentes do mandante do crime, receberam sentenças de 16, 18 e 19 anos e meio de reclusão.

Tratou-se de uma tentativa de vencer a resistência de Moreira Mendes, que considera que os policiais atuaram em cumprimento da função pública ao reprimirem e matarem trabalhadores rurais, e avaliou que a aprovação da anistia seria um estímulo a novas ocupações de terra, classificadas por ele como “invasões”. Mesmo após a mudança, durante a sessão de hoje o parlamentar de Rondônia manteve o voto em separado contra a proposta. 

Histórico

Na tarde de 8 de agosto de 1995, policiais militares e trabalhadores rurais que ocupavam a Fazenda Santa Elina negociaram que a ocupação seria mantida e que dentro de 72 horas seria trazida uma posição oficial dos órgãos governamentais a respeito da possibilidade de destinação da área a reforma agrária.

Na madrugada do dia 9, porém, agentes de segurança e pistoleiros entraram no acampamento disparando contra os sem-terra. No início da manhã, quando os sem-terra já estavam dominados, os PMs passaram a promover torturas, estupros e assassinatos. O saldo final foi de ao menos 11 mortos entre os trabalhadores rurais e de dois policiais – os camponeses dizem que o número é maior, mas a investigação não levou em conta a possibilidade de haver uma vala onde foram enterradas vítimas.

Na impossibilidade de chegar aos responsáveis pelas mortes dos dois policiais, o Ministério Público Estadual atribuiu as mortes a quem considerou como líderes do acampamento. A mesma decisão não foi tomada em relação aos policiais. A acusação diz ainda que trabalhadores rurais foram feridos por Claudemir e Cícero, incluindo o irmão de Claudemir, Clóvis Ramos. A promotoria diz ainda que os comandantes da ocupação abandonaram o local, embora elenque o depoimento de Claudemir, ferido, como exemplo dos abusos cometidos pelos policiais.

Em 2000, depois da condenação, Claudemir se recusou a cumprir a pena. De lá para cá, ele se denomina um “foragido da injustiça”. Em 2004, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Brasil procedesse a uma investigação séria do caso, conduzida por um órgão desligado da Polícia Militar. “O Estado tem a obrigação internacional de determinar, através de órgãos judiciais independentes e imparciais, se a força utilizada foi excessiva e, de ser esse o caso, deve sancionar os responsáveis”, conclui a entidade, integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA).

 

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