Parte da sociedade cobra soluções higienistas para problemas dos moradores de rua, dizem especialistas

Brasília – A Constituição Federal estabelece que a assistência social deve ser prestada a quem necessite. Ainda assim, segundo servidores públicos do Distrito Federal, a atenção básica e a humanização […]

Brasília – A Constituição Federal estabelece que a assistência social deve ser prestada a quem necessite. Ainda assim, segundo servidores públicos do Distrito Federal, a atenção básica e a humanização do atendimento a moradores de rua enfrenta a oposição de muitas pessoas que não reconhecem em quem mora na rua um cidadão, detentor de direitos, entre eles, o de receber a devida atenção do Estado.

Ouvidos pela Agência Brasil, representantes das secretarias de Saúde e de Segurança Pública do Distrito Federal, além do presidente do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Michel Platini, afirmaram que o preconceito, o desconhecimento da realidade e o medo levam muitos a verem os moradores de rua apenas como uma ameaça ou um transtorno. E a exigir do Estado soluções imediatas para um problema social complexo. Para os três, os crimes contra moradores de rua de todo o país, que chegaram ao conhecimento da imprensa e da sociedade nos últimos dias, são apenas “a ponta de um iceberg”.

“Infelizmente, vivemos com a noção de que parte da sociedade quer exterminar ou higienizar estas pessoas, sem reconhecer que elas têm direitos”, comentou Antonio Garcia Reis Júnior, médico da equipe da Secretaria de Saúde do Distrito Federal e responsável por atender às famílias que, sem ter onde morar, vivem nas ruas do Plano Piloto (região central da capital federal). “Há muitas pessoas que não compreendem sequer a existência de equipamentos públicos sociais destinados à população de rua.”

Segundo Reis Junior, a mesma intolerância é verificada entre alguns agentes públicos responsáveis por atender à população de rua. “A rejeição a estas pessoas vem não só de membros de uma comunidade, mas também de alguns servidores públicos e até mesmo dos próprios moradores de rua. Há pacientes que reclamam da animosidade com que são tratados em outros equipamentos públicos, da relação com a polícia, entre outras queixas que acabam os afastando do Poder Público.”

De acordo com o major Marcos Lourenço de Brito, chefe do Núcleo de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, da Secretaria de Segurança Pública do DF, o medo – nem sempre sem razão – que muitos sentem ao avistar um morador de rua tem contribuído para a intolerância de quem defende uma política “higienista” como solução para o problema.

“Quando se sente importunada por moradores de rua, a comunidade em geral quer uma resposta imediata. Muitas pessoas cobram do poder público atitudes drásticas, às vezes até com viés de violência”, comentou o major. “Muitas vezes, isso resulta em atitudes isoladas, impensadas de pessoas que se sentem agredidas e que, por considerarem que o poder público não resolve o problema da forma como gostariam, adotam a justiça com as próprias mãos.”

Ao menos 165 moradores de rua foram mortos no Brasil entre abril de 2011 e a semana retrasada, segundo dados do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores (CNDDH). Além dos casos não notificados, as investigações policiais de 113 dessas ocorrências não avançaram e ninguém foi identificado e responsabilizado pelos homicídios.

Somente no Distrito Federal, nas últimas semanas, ao menos três moradores de rua foram mortos e um sobreviveu a um atentado, embora tenha tido queimaduras graves por todo o corpo. Em uma das ocorrências, a Polícia Civil apurou que um comerciante encomendou a morte dos morados de rua por R$ 100.

Diante da repercussão, o governo do Distrito Federal decidiu antecipar para os próximos dias a publicação de um decreto que institui a política de atenção a moradores de rua, estabelecendo medidas de enfrentamento às dificuldades, discriminação e violência enfrentadas por essa população. Além de uma campanha de enfrentamento à intolerância, o governo promete construir três novos abrigos e dois centros de Referência Especializados para Pessoas em Situação de Rua (Centros Pops). O governo também quer realizar cursos de capacitação em direitos humanos de 20 horas para preparar os policiais a lidar com grupos como os de moradores de ruas.

De acordo com o último censo da população de rua da capital federal, há 2.365 pessoas vivendo nas ruas de Brasília. Para a vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a deputada Erika Kokay (PT-DF), os assassinatos e as agressões físicas contra moradores de rua são sintomas de um problema bem maior.

“Devemos estar atentos às agressões, pois elas representam um processo de desumanização, mas também é necessário resgatarmos a lógica de que todos os seres humanos são iguais e têm direitos. Não podemos admitir que a sociedade passe a aceitar as agressões contra os moradores de rua ou qualquer outro grupo como algo natural”, afirmou a parlamentar, durante audiência pública realizada nesta semana pelo Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos.

 

 

 

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