Entidades criticam Alckmin por intervenção na Ouvidoria Pública

Há cinco meses, ouvidor foi mantido no cargo apesar de não compor lista tríplice

São Paulo – Em meio a acusações de ingerência do poder executivo sobre a Ouvidoria Pública do estado de São Paulo, o ouvidor Luiz Gonzaga Dantas mantém-se por cinco meses além do previsto no cargo. Mudanças recentes nas regras de escolha do novo ouvidor também provocaram críticas de organizações de defesa de direitos humanos.

“Dantas continua lá, contra a nossa vontade”, critica Ivan Akselrud Seixas, presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe). Antônio Everton de Souza, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho, alega que a atual situação “corrige” o que ele chama de “hegemonia” de membros da sociedade civil com assento no Conselho sobre as eleições.

Formado por seis membros da sociedade civil, dois da OAB e três do governo, o conselho é responsável indiretamente pela escolha, a cada dois anos, do ouvidor do estado. Em junho, o órgão seguiu o que prevê a lei e indicou uma lista tríplice, a partir da qual o governador Geraldo Alckmin deveria escolher o substituto de Dantas, no cargo desde 2009. No entanto, o governador não escolheu nenhum dos três, e manteve o Dantas num “mandato-tampão”, segundo explica Samira Bueno, assistente de coordenação do Fórum de Segurança Pública, ONG que milita pela melhoria da atividade policial no Brasil.

A Ouvidoria Pública é um dos órgãos mais importantes para a fiscalização das forças policiais. É responsável por receber denúncias de atos indecorosos da polícia, como abusos no uso da força e corrupção, por verificar sua pertinência e encaminhá-las às Corregedorias da Polícia ou ao próprio Ministério Público.

A extensão do mandato de Dantas não constitui, a rigor, uma ilegalidade, visto que, segundo a Constituição e a legislação federal, o governador não precisaria necessariamente exonerar o servidor público do cargo no fim do mandato previsto. O problema é que a decisão é vista, por representantes da sociedade civil, como um ataque à autonomia do Condepe e da Ouvidoria Pública.

Ao ignorar os indicados pela lista tríplice, o governador indiretamente acata um pedido de impugnação da eleição apresentado por Everton de Souza e encaminhado pela OAB à Procuradoria Geral do estado. A entidade alega não ter havido equidade de direitos na escolha entre candidatos, já que alguns deles concorreram ao cargo e votaram em si próprios. Souza, que já concorreu ao cargo de ouvidor e chegou a ser escolhido para uma lista tríplice, alega que a prática – contrária ao estatuto da entidade – seria recorrente entre os membros do Conselho.

Everton de Souza destaca também a prevalência de membros da Igreja Católica e do PT na ouvidoria do estado, desde que foi criada. “Coincidentemente, até a eleição do Dantas, os quatro outros ouvidores eram ligados a essas entidades”, afirma. Os dois primeiros ouvidores eram filiados ao partido, enquanto que seus sucessores faziam partes de associações ligadas à Igreja, como o Instituto Justiça e Paz e o Centro Santo Dia de Direitos Humanos. A suposta hegemonia tampouco representa ilegalidade, por ser fruto de articulação e mobilização das lideranças.

Independência do Condepe

Ivan Seixas acusa o governo do estado de minar o controle da sociedade civil sobre a ouvidoria. Na visão do ativista, Alckmin queria que o Condepe indicasse Dantas novamente na lista tríplice, em junho. “O governo do Estado ficou irritado e criou, por decreto, uma norma que modifica a escolha da lista tríplice”, diz. Para ele, o Decreto 57.235 de agosto deste ano, muda a correlação de forças na escolha do ouvidor do estado, tornando-a favoravel ao governo.

Uma norma contida no decreto estipula que o voto de cada um dos conselheiros deve ser em apenas um candidato, e não em três, como se costumava fazer. Como o governo tem três votos e a OAB – que “sempre vota com o governo”, segundo Seixas –, tem dois, eles poderiam ter, juntos, maioria para incluir o candidato desejado pelo governador entre os três, “neutralizando” os seis votos da sociedade civil. O decreto também veta a eleição de membros do Condepe para a ouvidoria pública. Para se candidatar ao cargo, um membro do Condepe deve, agora, se afastar do órgão 90 dias antes das eleições.

Embora fale de uma oposição de “cinco contra seis” (OAB e governo contra representantes da sociedade civil) na correlação de forças no Condepe, Seixas sustenta que a entidade é “legalista”, e não é filiada a partidos políticos.

André Cabette Fábio produziu esta reportagem para o programa “Repórter do Futuro”, publicada em caráter especial pela Rede Brasil Atual

 

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