Documento lista ações para pós-Rio+20; secretário da ONU elogia negociações

Para representantes brasileiros, crise econômica dificultou negociações. Ban Ki-moon chama texto de carta-compromisso à altura do desafio da conferência

Figueiredo: documento evitou a visão de que o caminho para nações em desenvolvimento era seguir trajetória dos ricos (Foto:Fabio Pozzebom/ABr )

Rio de Janeiro – O documento final da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável seguiu o caminho das intenções, e deixou para depois a definição de metas e montantes precisos necessários à transição rumo ao desenvolvimento sustentável. Ainda assim, na visão dos embaixadores brasileiros responsáveis por encabeçar a conversa nos últimos dias, o balanço que será deixado pela Rio+20 é positivo por reafirmar as relações entre ambiental, social e econômico. “É bom o resultado. Claro que até o final há esperança de melhorar alguns pontos. Em reuniões assim, às vezes aos 44 do segundo tempo surge uma mudança”, resumiu o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, em rápida conversa com a Rede Brasil Atual.

O texto reafirma os princípios aprovados há 40 anos, na primeira conferência da ONU sobre meio ambiente, e há 20 anos, na chamada Eco-1992, também na capital fluminense. Para os embaixadores brasileiros, uma conquista importante. “É difícil dizer sobre dificuldades. Foi, sem dúvida, uma das negociações que requereu maior investimento de tempo, mas o clima sempre foi muito bom, o diálogo sempre foi muito fluido. Agora, levou mais tempo do que outras coisas. Sob este prisma, foi mais difícil”, resumiu o negociador-chefe da delegação brasileira na Rio+20, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, que acrescentou que a reafirmação dos princípios das conferências anteriores parece uma questão simples, mas provocou problemas entre quem não gostaria de retroceder e quem não buscava avanços concretos.

O secretário-geral da Nações Unidas, Ban Ki-moon, defendeu o documento-base apresentado pelo Brasil e elogiou seu processo de construção. Ele avaliou que o texto apresenta um volume grande de ações que, se efetivamente implementadas, reforçadas por medidas de acompanhamento, poderão contribuir para desencadear uma onda de mudanças globais.

“Vale assinalar que esse documento é fruto de intensas neogiações e, portanto, tornou-se um texto-compromisso. Como em toda negociação, sempre haverá os setores que consideram que o texto poderia ser mais ambicioso, ou que suas propostas pudessem estar mais bem contempladas ali, ou outros que defendam até uma linguagem mais arrojada. Mas vamos ser claros: negociações multilaterais sempre têm a ceder e a receber”, afirmou o secretário-geral da ONU por meio de porta-voz.

A negociação foi marcada por uma série de obstáculos. As primeiras rodadas de negociação, ainda em Nova York, deixaram em aberto várias questões, e os dias programados para o diálogo no Rio de Janeiro tampouco foram suficientes. Hoje, enfim, foi aprovado em plenária o texto final, mas que ainda pode sofrer alterações. A delegação europeia acredita que a chegada de chefes de Estado e de ministros de alto escalão para o encontro entre amanhã (20) e sexta-feira (22) no Rio de Janeiro pode ajudar a destravar as decisões.

“Um dos temas mais mencionados na plenária que tivemos esta manhã foi como o Brasil conseguiu restaurar um verdadeiro processo multilateral de negociação em que todos pudessem ser ouvidos de maneira transparente sem recorrer a métodos pouco claros que foram vistos em outras negociações. Para o Brasil, como defensor do multilateralismo, esta era uma prioridade”, disse Figueiredo.

Questionado se o país, na qualidade de anfitrião, deveria ter sido mais agressivo na negociação do texto final, o embaixador André Corrêa do Lago deixou clara a intenção de evitar uma posição arrogante. “Nisso o Brasil tem uma postura muito clara, que é de no nível internacional cooperar da melhor maneira possível, mas de nenhuma maneira achando que a resposta certa para o Brasil é a resposta certa para os outros.” Ele enfatizou ainda que o documento final evitou a visão de que o caminho para as nações em desenvolvimento passava por seguir a trajetória dos países ricos.

Quase concreto

Os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), que se somarão aos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM), serão definidos em 2014, com fixação de metas a partir de 2015. A indicação dos mecanismos necessários à proteção dos oceanos também será debatida dentro de dois anos, assim como a possibilidade de garantir um fundo mundial destinado à transição para uma economia com menor emissão de carbono.

Relativamente rápido pode ser o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), cuja mudança depende de aprovação durante a 67ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, marcada para o segundo semestre. O parágrafo 87 do documento final pede que a composição do órgão seja ampliada para abarcar todos os países, além de cobrar uma fonte de recursos “segura, estável, adequada e ampliada” – atualmente o Pnuma depende de doações voluntárias de 58 países. Não houve, porém, acordo sobre um upgrade no status do programa, que poderia se transformar em uma agência no formato da Organização Mundial do Comércio (OMC), de caráter decisório.

“Ao se referir a um fortalecimento ele não prejulga de uma maneira ou outra se vamos criar uma agência especializada para o meio ambiente, ou se vamos manter o nome Pnuma. Fato é que o Pnuma sai fortalecido do Rio, sai com mais meios para realizar suas funções, sai com funções acrescidas. Essa foi a preocupação maior dos negociadores, de dar ao Pnuma condições de ser um pilar ambiental”, disse Figueiredo.

Não houve consenso quanto à indicação de que a economia verde deveria significar o caminho da transição. Essa falta de definição decorreu da dificuldade em chegar a uma posição fechada sobre o que, de fato, significa economia verde. Nações em desenvolvimento temiam a imposição de barreiras que limitassem seus projetos futuros, ao passo que países ricos preferiam evitar um debate sobre um teto para o crescimento econômico. “Essa foi uma das negociações mais difíceis. Acentuar ao mesmo tempo que o desenvolvimento sustentável é essencial sem dizer de que maneira os países devem se desenvolver”, afirmou Corrêa do Lago.

A reafirmação da noção de que os países compartilham responsabilidades comuns, mas sobre as quais os mais ricos têm de desempenhar um papel diferenciado também foi um obstáculo, segundo Figueiredo. “Sobre isso houve uma batalha razoável, que se resolveu ontem de madrugada. Para os países desenvolvidos havia uma dificuldade em reafirmar o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, disse, desmentindo que a reunião dos países mais ricos do mundo, o G20, entre ontem e hoje no México, tenha significado uma dificuldade-extra. “Há uma agenda muito diferente do G20, mas a crise certamente influenciou na Rio+20. A crise que se abate com força sobre países do Norte provocou uma retração em áreas importantes, que têm a ver com solidariedade, com cooperação internacional. Por conta disso o nível de financiamento foi seguramente afetado.”