Propostas de Governo: Serra propõe projetos que não realizou como prefeito

Tucano mistura boas propostas com idéias equivocadas (foto: reprodução) Lançado apenas depois de garantida a participação no segundo turno, o plano de governo de José Serra traz as propostas do […]

Tucano mistura boas propostas com idéias equivocadas (foto: reprodução)

Lançado apenas depois de garantida a participação no segundo turno, o plano de governo de José Serra traz as propostas do tucano para governar São Paulo. Admito um pouco de dificuldade em avaliar o plano, já que não existe uma intenção explícita em relação ao rumo da cidade como um todo. As propostas se acumulam mas não estão colocadas dentro de um projeto amplo. Assim, será necessário ler as entrelinhas para ter uma ideia do que pensa o candidato.

A análise das propostas de Serra esbarra em mais uma dificuldade. O tucano se apresenta ora como candidato da situação, ora tenta manter distância da administração Kassab. Assim, busca o melhor dos mundos: apropriar-se dos poucos sucessos de Kassab mas, mesmo assim, tenta descolar dele quando necessário. Ele não deixa de ter razão quando afirma que não tem responsabilidade pela administração de seu sucessor, mas acredito que é justo avaliar suas ideias tendo a gestão atual como pano de fundo. 

Como já fiz com os outros planos de governo, avaliarei as propostas relacionadas diretamente com planejamento urbano. No plano de Serra, os tópicos são Habitação, Transportes e Mobilidade, Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano.

Na área de Habitação, o documento traz como objetivo o desenvolvimento de uma cidade densa, em contraposição à cidade espraiada que existe hoje. O meio para conseguir isso seria o adensamento de moradias e empregos nos centros. As propostas para chegar a esse objetivo são: urbanização de favelas, aumento da oferta de moradia no Centro da cidade e aceleração da regularização fundiária. 

No caso da urbanização de favelas, Serra quer ampliar os projetos que já existem nas maiores favelas de São Paulo, como Heliópolis, Jaguaré e Paraisópolis. Como o próprio programa cita, esses projetos foram reconhecidos pela UNHABITAT, braço da ONU para a habitação. Não questiono a qualidade dessas ações habitacionais. Continuadas, seriam benéficas para a cidade. O que é questionável é que essas ações acontecem apenas em áreas centrais e valorizadas. Além disso, a quantidade de famílias beneficiadas com esse programa também é pequena. O programa de urbanização de favelas também se concentra nessas áreas. No site da Prefeitura, existe menção apenas à favela de Paraisópolis, que fica no meio do bairro do Morumbi. Se até agora apenas as áreas centrais foram agraciadas com programas desse tipo, é difícil crer que esse cenário mudará.

Ainda na área de habitação, há uma frase digna de destaque no texto do tucano: “(…)promover o adensamento de moradias e empregos em áreas mais próximas dos centros das cidades”. A promoção de moradias no centro é um mantra repetido pela maior parte dos candidatos em qualquer eleição em São Paulo, mas a concentração de empregos me parece uma ideia nunca antes defendida. Ora, os empregos já estão concentrados. Qual a necessidade e a pertinência de uma política pública que concentre geograficamente os postos de trabalho? Isso vai contra a ideia de descentralizar a cidade, ou seja, um desastre.

Outra construção semântica que chama atenção está na área de meio ambiente. Serra titula uma parte importante de suas propostas como Civilização Ambiental, como se a cidade. Suas propostas para a área aparece totalmente descoladas da questão social. O uso do termo civilização, em conjunto com essas propostas, dá a entender que as pessoas são consideradas problemas que devem ser resolvido. Explico. O texto fala em “defender de forma radical a qualidade das águas dos mananciais paulistanos, especialmente Billings e Guarapiranga”. A proposta é ótima, claro. Ninguém pode defender que não se dê atenção à qualidade da água que abastece a cidade. No entanto, não há menção ao fato de que existem pessoas morando nas margens dessas represas. Pessoas em condições precárias de moradia e que, na maior parte dos casos, estão lá por absoluta falta de opção. Faltou mostrar qual será o destino dessas famílias para que a defesa “radical” das represas possa acontecer.

Ainda na área de meio ambiente, Serra promete reciclar o lixo da cidade. É muito curiosa essa intenção, já que, quando prefeito, ele renegociou contratos com as empresas de lixo e extinguiu o programa de coleta seletiva implantado por Marta Suplicy. Seria interessante cobrar o candidato sobre essa incoerência. Infelizmente, a Rede Brasil Atual não recebe respostas da campanha tucana.

Na parte de desenvolvimento urbano, a proposta de Serra tem grandes semelhanças com a de Fernando Haddad. Ele propõe a revitalização de antigas áreas industriais, com o uso de operações urbanas. O objetivo seria adensar áreas que já são urbanizadas, mas têm poucos moradores. Esse tem sido um ponto pacífico na campanha inteira.

Por último, os transportes. Serra parece obcecado pela ideia de transporte sobre trilhos, mesmo que esse meio não seja de responsabilidade da prefeitura. Há grande ênfase na parceria com o governo do Estado para a expansão do metrô. Há dois problemas nessa ideia. O primeiro é que qualquer recurso que saia da prefeitura nessa área significa menos investimento em ônibus, serviço de baixa qualidade. O outro é que obras do metrô e da CPTM levam muito tempo para ficarem prontas. Por isso, é fundamental a atenção aos ônibus. 

Em relação aos ônibus, o programa prevê a construção de novos corredores, recuperação dos já existentes, reorganização dos terminais e das linhas. Tudo muito positivo, com a ressalva de que não foi realizado quando ele foi prefeito. 

NA área de transportes, há também a proposta de diversas obras viárias, entre elas o prolongamento da Radial Leste e da Chucri Zaidan, interligação subterrânea entre a A. Roberto Marinho e a rodovia dos Imigrantes e mais pontes e viadutos nas marginais. Embora eu não defenda o congelamento de obras viárias – algumas delas, localmente, são importantes – fica claro o viés rodoviarista do plano. São Paulo não precisa de mais incentivo para a circulação de carros particulares, como mostram nossos índices de congestionamento.

Em resumo, Serra traz algumas propostas equivocadas, como a expansão da malha viária e a concentração de empregos no centro, mal explicadas, como as ações nas margens das represas, misturadas com propostas positivas, mas que não forma realizadas na sua própria administração. Elas podem até ser implantadas no caso de vitória de Serra, mas é justo desconfiar disso.