Novo livro de Ignácio de Loyola Brandão relata viagem equivocada

“Seja o que for, a pior coisa da vida é não viajar! E há gente que jamais saiu da quadra em que mora”. Essa frase presente na página 263 é […]

“Seja o que for, a pior coisa da vida é não viajar! E há gente que jamais saiu da quadra em que mora”. Essa frase presente na página 263 é o mote do recém-lançado livro “Acordei em Woodstock – Viagem, memórias, perplexidades”, de Ignácio de Loyola Brandão. Nessa obra, ele relata as andanças com a esposa e um casal de amigos pelo interior dos Estados Unidos. Porém, ao final da leitura, a sensação que se fica é se realmente todas as nossas experiências merecem de fato serem relatadas e compartilhadas. 

É verdade que se trata de um dos melhores e mais prestigiados escritores e jornalistas brasileiros, autor dos hoje clássicos “Zero” (1975) e “Não Verás País Nenhum” (1981). Muitas histórias relatadas também são muito divertidas e curiosas. Porém, nada parece justificar a leitura do relato dessa viagem, ainda mais quando se descobre que ela foi frustrada. Talvez o problema esteja única e exclusivamente no título, “Acordei em Woodstock”, uma vez que atrairá os adoradores do famoso festival ocorrido nas cercanias de Nova York, como é o meu caso. Porém, alterando-o, não haverá mais o impacto da surpresa causada por uma verdadeira confusão turística.

Desse modo, a melhor parte do livro fica por conta dos devaneios do próprio autor, que sonha encontrar pelas ruas de uma cidade os antigos ídolos do rock and roll, que estiveram presentes no lendário festival. E mais do que isso: tem o privilégio de escutá-los cantando e tocando seus instrumentos apenas para ele. Mesmo destaque merece a descrição da relação mantida por ele com o clássico filme de Federico Fellini, “8 ½”, que aponta como sendo o seu preferido.

A descrição que o autor faz da megalópole norte-americana: “Quando chego a Nova York, sou invadido pelo cheiro metálico, mistura de gasolina, respiradouros do metrô, do ar que atravessa os becos, da mistura de aromas que emana das lojas de departamentos, das frituras das lanchonetes que vendem donuts, das cafeterias que fazem ovos mexidos, do adocicado das delicatessen, do perfume das mulheres que passam, das castanhas assadas vendidas nas esquinas, do cheiro seco do pretzel envernizado e pontilhado por sal grosso”.

No mais, há um monte de citações e opiniões bastante pessoais, que mais parecem demonstrar o invejável eruditismo de Ignácio de Loyola Brandão e como ele teve uma vida privilegiada, que o levou aos mais diferentes lugares do mundo. É verdade que há algumas tiradas incríveis, como “Curioso pensar que enquanto éramos fascinados, vivíamos encantados por aqueles filmes, eles eram escritos por escritores ‘funcionários’, muitos deles desesperados. Gente que fazia isso para ganhar a vida, necessitava de dinheiro, pagava contas, tinha família, saía de casa e ia para o estúdio dizendo para a mulher: ‘Temos grandes problemas hoje com umas cenas de Casablanca…”. Mesmo nesses momentos o tom saudosista contamina, para o bem e para o mal, toda a obra.

Comentários como o feito a respeito do musical “Cabaret”, apresentado em Nova York, por exemplo, ficariam melhor localizados se estivessem numa revista ou no suplemento cultural de um jornal. Num livro eles soam bastante datados e dispensáveis: “Os problemas com o musical foram a extensão, um ritmo pouco cadenciado e a falta de crescendo. Como no enredo, caminha-se através de uma sucessão de boas coreografias, sem ligação”. E acrescenta: “Insuportáveis são os musicais que chegam atrasados ao Brasil. A nova safra, Os miseráveis, O fantasma da ópera, Evita, e outros cambalachos. Nada a ver com nada, são caça-níqueis do público, dos patrocinadores e das leis. Milhões do governo e os preços dos ingressos altíssimos”. Desse modo, após a leitura, fica-se com a sensação de ter compartilhado algo sem importância, mas relatado de maneira cativante pelo fato de ser relatado por quem domina, como poucos, a arte de lidar com as palavras.

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