Honduras aprova criação de cidades privadas

Movimentos sociais protestam contra as charter cities (foto: Ofraneh) O governo de Honduras ratificou, na semana passada, uma mudança na legislação do país para permitir a construção de cidades privadas, […]

Movimentos sociais protestam contra as charter cities (foto: Ofraneh)

O governo de Honduras ratificou, na semana passada, uma mudança na legislação do país para permitir a construção de cidades privadas, com leis e economias próprias. Serão espaços descolados institucionalmente do resto do país, onde a maior parte das leis hondurenhas não serão aplicadas. Esse conceito de cidade é chamado de charter cities, e ganhou no país centro-americano o nome de Regiões Especiais de Desenvolvimento (RED). As cidades serão implantadas e administradas por empresas privadas americanas.

A intenção desse tipo de cidade é a atração de investimentos externos. O decreto que regula as REDs apresenta as seguintes motivações (a tradução é minha): O Estado estabelecerá Regiões Especiais de Desenvolvimento, que são entes criados com o propósito de acelerar a adoção de tecnologias que permitam produzir e prestar serviços de alto valor agregado, em um ambiente estável, com regras transparentes capazes de captar o investimento nacional e estrangeiro necessários para crescer aceleradamente, criar os empregos necessários para diminuir as desigualdades sociais, prover à população serviços de educação, saúde, segurança pública e a infraestrutura necessária que permita uma melhora real nas condições de vida da região.

Honduras de fato tem poucas chances de atrair investidores externos, ou mesmo de dar chance aos empresários locais. O país passou há pouco tempo por um golpe de estado, ou seja, falta segurança institucional para realizar negócios. É o segundo país mais pobre da América Central e tem a maior taxa de homicídios por capita do mundo (86 por 100 mil habitantes). Que empresa do mundo buscaria um país nessas condições para realizar investimentos?

A questão é se criar uma zona de exceção, com economia e governos próprios, é o caminho para resolver os problemas sociais do país. Ainda que empresas se interessem de fato e ocupem espaços produtivos nas novas cidades, é preciso questionar para onde irá o dinheiro gerado por elas. Como Honduras tem um baixo nível educacional, as empresas terão que importar mão de obra. Aos hondurenhos, restarão vagas com baixos salários. A arrecadação de impostos tampouco será aumentada, já que a cartilha mundial para a atração de investimentos reza que a isenção tributária, ou pelo menos uma forte diminuição nos tributos, é fundamental para o investimento.

Outro ponto a notar no decreto hondurenho é a justificativa de que é preciso criar um ambiente estável para atrair investimentos. Curiosamente, quem escreve isso é o próprio governo que se beneficiou de um golpe de estado para chegar ao poder, ou seja, aqueles que causaram a maior perda de estabilidade que um país pode ter é que defendem a criação de um território estável.

Movimentos sociais, como a Organização Fraternal Negra Hondurenha (Ofraneh), já estão protestando contra o projeto. Além da perda da soberania nacional, esses grupos protestam porque a primeira cidade modelo deverá ser construída em um território onde estão diversas comunidades indígenas que, óbvio, não foram consultadas.

Charter cities

Para além da construção de cidades modelo em Honduras, é preciso pensar um pouco nas implicações dessa ideia. As charter cities foram idealizadas pelo pesquisador norte americano Paul Romer. Em poucas palavras, sua teoria diz que com regras e instituições melhores, países subdesenvolvidos podem encontrar seu caminho para o crescimento. 

Em primeiro lugar, ele assume que está em posição intelectual e política superior à dos países onde acredita que essas cidades deveriam estar. Afinal, ele afirma que conhece as regras corretas para os países saiam da pobreza. Em uma de suas palestras (aqui) ele afirma textualmente que tem que convencer os países a adotarem regras melhores. Romer parece esquecer que governos não decidem simplesmente mudar as regras. Na maior parte dos países, existe um processo democrático que deve ser respeitado. Uma coisa é sugerir mudanças para serem avaliadas e adaptadas às realidades locais, outra é dar a entender que os sistemas institucionais dos países está equivocado e que ele tem a resposta correta. 

Por outro lado, sua teoria parece implicar que os países são subdesenvolvidos por culpa deles próprios apenas. Ele ignora que existe uma complexidade de relações entre os países que afeta o nível de desenvolvimento de cada um deles. Aliás, Romer parece ignorar que seu próprio país interfere nas nações mais pobres para que se adequem aos objetivos norte-americanos.

Há também a questão da desigualdade. Os cidadãos que conseguirem emprego na charter city terão acesso a melhores serviços do que aqueles que continuarem nas cidades tradicionais. Como as regras de acesso às novas cidades serão ditadas pela empresa gestora, não dá para garantir que qualquer pessoa possa migrar para lá. Seria a criação de cidadãos de segunda classe, que terão, dentro de um mesmo país, oportunidades muito piores do que uma minoria privilegiada. Como isso pode contribuir para as melhoras nas condições de vida do pais é uma pergunta ainda sem resposta.

A página da internet de Paul Romer usa o Brasil como exemplo de país que poderia receber uma charter city. No nosso caso, ele usa a imigração de haitianos como motivação para a criação de uma zona separada do resto do país. Eles poderiam se estabelecer por lá, mas não no resto do país. Não acredito que a ideia vá para a frente, mas não custa estarmos preparados para uma investida de empresas querendo fazer o mesmo por aqui.