Av. Paulista tem história em quadrinhos de Luis Gê relançada para o público

Primeira edição, que comemorou os 100 anos da avenida, teve distribuição restrita e virou item disputado por colecionadores, nos sebos da capital

Cena da ‘graphic novel’ Av. Paulista, de Luis Gê, sobre a mais famosa avenida de São Paulo (©Reprodução)

Em 1990, a jornalista Rosangela Petta e a equipe da “Revista Goodyear” tiveram a ideia de convidar o desenhista e arquiteto Luiz Gê para fazer uma reportagem em quadrinhos a respeito da Avenida Paulista, um dos mais conhecidos endereços de São Paulo, que no ano seguinte completaria 100 anos.

Resultado: a história em quadrinhos fez grande sucesso e obteve um alcance muito maior do que os integrantes de um mailing que recebia a publicação. Porém, apenas agora, cerca de vinte anos depois, ela é lançada em livro, “Av. Paulista”, publicado pela Companhia das Letras.

O que chama atenção nesse trabalho de Luiz Gê é, além dos traços que o transformaram num mais elogiados quadrinistas de cidades do país, a extensa pesquisa realizada em livros, mas também com dezenas de entrevistas. Pela primeira vez, os quadrinhos são acompanhados por textos corridos, como era o plano original do desenhista.

Há citações, por exemplo, de trechos de livros como “Anarquistas Graças a Deus”, de Zélia Gattai; e depoimentos de, entre outros, Georges Clemenceau. Há, no final da obra, uma interessante cronologia da avenida em texto.

A história começa com a inauguração da ferrovia São Paulo Railway e a forte influência francesa presente na arquitetura da capital paulista. A partir de então, algumas passagens chamam a atenção, como a descrição do surgimento do Conjunto Nacional, denominado “o mais avançado shopping center do mundo”, ocupando uma área construída de 57 mil metros quadrados, num terreno de 14.609 metros quadrados. 

O quadrinho ocupado pelo Museu de Arte de São Paulo (MASP) – no canto esquerdo – e os “retirantes” de Cândido Portinari é uma obra-prima que deveria estar enquadrado e em posição de destaque no próprio museu. No texto ao lado, Luiz Gê é categórico: “A chegada do MASP na Paulista, em 1967, precipita a corrida imobiliária: entrados os anos 70, cada vez mais os seus vizinhos iriam escutar a enervante e repetitiva pergunta dos corretores: ‘quanto quer para sair?’”

Começa, então, um dos momentos mais dramáticos e emocionantes do livro, quando os antigos casarões quatrocentões começam a ser derrubados um a um para a construção de imensos edifícios. Os traços do desenhista traduzem dor e desespero, totalmente de acordo com a informação: “Na lanchonete McDonalds, por exemplo, em menos de uma hora quase dez mil sanduíches desaparecem garganta abaixo. Crunch! Crunch! Crunch!”.

Chega-se aos dias atuais e Luiz Gê imagina dois possíveis desdobramentos para a história da avenida. Um catastrófico, com direito à citação de um verso do clássico “Sampa”, de Caetano Veloso: “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”, edifícios se sobrepondo uns aos outros até se autodestruírem. O outro valoriza a sustentabilidade e a preocupação ambiental.

Nesse caso, são lembrados dois projetos arquitetônicos da década de 1960, quando Jorge Wilheim projetou a Nova Paulista, que previa a preservação dos ipês ali plantados. E, em 1968, Figueiredo Ferraz desenhou uma avenida em que os carros passariam numa pista rebaixada, em alta velocidade, e, mais abaixo, passaria o metrô, permitindo que na superfície fosse construído um grande parque. 

Para encerrar, nada melhor do que um trecho do artigo escrito pelo professor de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Nabil Bonduki: “Mário de Andrade, Adoniran Barbosa, Caetano Veloso, Mazzaropi, Luiz Sérgio Person – muitos são os artistas que fizeram de São Paulo o objeto de suas obras, eternizando facetas e olhares particulares da nossa história. Neste trabalho, Luiz Gê dá continuidade a essa tradição, articulando sua formação de arquiteto e urbanista com uma vasta experiência como cartunista e ilustrador. Não se trata de uma história factual da avenida, mas de um esforço para trazer ao conhecimento do público em geral momentos cruciais da trajetória da mais importante via paulistana e dos seus principais protagonistas, sem deixar de lado alguma ficção e muita imaginação. Afinal, a Paulista não é um lugar qualquer – é o local mais citado pela própria população como o maior símbolo de São Paulo”.

Portanto, deseja-se que “Av. Paulista” seja não só lido, ou melhor, devorado numa sentada, mas apreciado como uma obra de arte de grande valor histórico e de respeito à grande metrópole e suas belezas e contradições. E, talvez mais do que isso, sirva de exemplo para que os moradores de São Paulo saibam apreciar e valorizar ainda mais a riqueza do lugar onde vivem, e lutem para que ele ofereça qualidade de vida para todos os moradores.

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