Mauro Santayana

Vladimir Herzog e a sanha do mal no combate à liberdade

Quem matou Vlado naquela manhã infame de 25 de outubro de 1975, nos porões do DOI-Codi, em São Paulo, queria matar suas ideias, sua crença na liberdade e na prevalência do ideal de justiça

Instituto Vladimir Herzog

Seu assassino recolheu-se, na história, ao submundo dos psicopatas sádicos e doentes, sabujos do autoritarismo

Amanhã, terça-feira, 20 de outubro, às 20h, no Teatro da Universidade Católica, o Tuca, será realizada, em São Paulo, a cerimônia de entrega do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Jornalismo, do qual tenho a honra de ser um dos agraciados. A história da origem de Vladimir Herzog e de sua morte está registrada no livro do meu amigo e companheiro de profissão Audálio Dantas, As Duas Guerras de Vlado Herzog da perseguição nazista à morte sob tortura no Brasil.

Judeu, socialista, nascido na Croácia, com o mesmo prenome de Lênin – embora brasileiro como poucos, a ponto de deixar a segurança do exílio em Londres para voltar para o Brasil em plena ditadura – intelectual e não um brutamontes, aparentemente frágil em sua compleição física, mas fortíssimo – principalmente em seus derradeiros instantes – em seu caráter e suas convicções, Vlado reunia em sua pessoa tudo o que os seus torturadores odiavam mais caninamente.

Por isso, a intenção era expô-lo publicamente, depois de extrair-lhe uma suposta “confissão”, fazendo com que assumisse coisas que não havia feito, delatasse amigos, acusando-os de terem feito coisas que não haviam feito, que renegasse suas convicções – como outros judeus faziam antes, quebrados, destruídos, a caminho de serem queimados na fogueira, diante de seus algozes da Santa Inquisição – reforçando, como “arrependido”, a tese da existência de uma conspiração comunista e antinacional no Brasil, o que justificaria ainda mais prisões, mais assassinatos, mais torturas.

Quem matou Vlado, naquela manhã infame 25 de outubro de 1975, nos porões do DOI-Codi, em São Paulo – forjando a absurda tese de seu suicídio, pendurado, pelo pescoço, quase que de joelhos, pelo cinto, a uma altura de pouco mais de um metro da janela da cela em que o colocaram, queria matar as suas ideias, o seu passado, a sua visão de mundo: sua crença na liberdade, na prevalência do ideal de justiça e do direito de opinião, mesmo quando mergulhado na mais absurda situação de barbárie, nas mãos de quem podia espancá-lo e matá-lo, caso não se dobrasse à sua vontade, como com ele fizeram.

Como outros covardes daquela época, extremamente machos diante de presos desarmados e indefesos (muitos, como Vlado, ali tinham comparecido de moto próprio, por intimação, sem nunca ter pegado em armas), seu assassino escondeu-se depois no anonimato, reunindo-se, na história, ao submundo sombrio dos psicopatas sádicos e doentes que servem como reserva de sabujos para o autoritarismo.

Enquanto o menino croata que escapou do nazismo aos 6 anos, para morrer nas mãos dos carrascos do país para o qual veio em busca de dignidade e liberdade, continuará, agora, e no futuro, como um símbolo e um poderoso marco do que existe de melhor no ser humano.