Desenvolvimento em foco

Plantão da Mulher e apoio a vítimas de violência: a experiência da Suécia

Experiência do Plantão da Mulher de Hulstfred e Vimmerby, Suécia, é relatada por especialistas que acompanham de perto a ação de combate à violência

Pixabay
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O objetivo deste artigo é apresentar como funciona o Plantão da Mulher, rede de apoio às mulheres vítimas de violência doméstica na Suécia desde a disseminação das informações, a legislação e os primeiros contatos até o processo de recuperação dessas mulheres. Apresentamos este tema em nota técnica da 23ª Carta do Observatório de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs), disponível aqui.

A violência doméstica afeta mulheres de todas as classes sociais, rendas e escolaridade. A falta de informações sobre o que é e quais são os tipos de violência doméstica e onde buscar ajuda faz com que muitas mulheres continuem em situação de risco ou, infelizmente, percam suas vidas. 

A Suécia tem instituições chamadas Kvinnojouren, que em tradução livre significa Plantão da Mulher. Essas entidades estão presentes em quase todas as comunidades do país e buscam informar, apoiar e orientar as mulheres vítimas de violência doméstica, que pode ser física, psicológica, econômica, sexual ou patrimonial. 

O processo de sair de uma situação de violência doméstica pode ser bastante demorado e complexo e costuma ser física- e psicologicamente exaustivos e, até mesmo, excruciantes, afetando, na maioria das vezes, pessoas próximas à vítima, como filhos por exemplo. 

A legislação e o processo judicial são essenciais para que essas mulheres tenham seus direitos garantidos. Algumas vezes as autoridades de imigração também participam desse processo e os “Plantões da Mulher” acompanham esse processo em todas essas fases. 

Em 1984, criou-se a primeira organização de proteção às Mulheres na Suécia: Roks, uma entidade feminista separatista (o corpo de voluntários e funcionários é formado somente por mulheres), cujo objetivo é apoiar e proteger mulheres com ou sem filhos, e jovens e adolescentes do sexo feminino que sofrem ou tenham sofrido violência doméstica.

Abrigos secretos

Roks é uma organização mantida por trabalho voluntário (embora haja alguns poucos cargos remunerados) que durante quase 40 anos tem desenvolvido diferentes métodos diferentes de proteção a mulheres, visando o bem-estar, segurança física, econômica e emocional de mulheres, jovens e crianças. 

Como uma organização sem fins lucrativos, recebe apoio econômico do governo, assim como de outras instituições, empresas, de patrocinadores e membros da organização.Roks, tornou-se a organização guarda-chuva para as diferentes unidades do Kvinnojour, ou Plantão da Mulher, no país, que são organizações menores. 

Em 1996, várias mulheres que eram membros da Roks, optaram por criar uma outra organização voluntária chamada Unizon, praticamente com quase os mesmos princípios daRoks, mas não sendo totalmente feminista separatista, dando assim abertura e possibilidades para homens e mulheres trabalharem em conjunto contra a violência doméstica. Hoje aUnizon tem mais de 130 organizações como o “Kvinnojour” na Suécia superando a organização Roks, com estimadamente 110 “Kvinnojour (Plantão da Mulher)”.

A maioria das organizações possuem abrigos secretos e, embora algumas regras sejam distintas entre elas, todas seguem os mesmos princípios e partilham do mesmo objetivo.

Como nem todas as organizações trabalham da mesma forma, as regras e atendimento podem variar. O Kvinnojour em Hultsfred e Vimmerby, por exemplo, funciona 24 horas por dia, durante os 365 dias, alguns abrem alguns dias durante a semana e alguns não oferecem moradia.

Em Hulstfred e Vimmerby, as mulheres têm acesso a apartamento mobiliado com internet bem como celular (para que não usem o próprio aparelho e que sua localização não seja rastreada). Elas também recebem visitas de membros da equipe ou contato de acompanhamento por telefone quase diariamente, dependendo da necessidade de cada uma.

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Geralmente, as suecas não demandam o mesmo tipo de apoio que as estrangeiras e o desafio das vítimas imigrantes é, geralmente, maior. Algumas não dominam o idioma e não estão familiarizadas com a cultura e legislação do país.  Muitas têm medo de entrar em contato com autoridades e até mesmo com outras pessoas. Em todos os casos, o “Kvinnojour” se faz presente durante todo o processo provendo assistência jurídica gratuita.

Nem tudo é apenas medo, insegurança e tristeza. Além do apoio emocional e terapêutico, o Kvinnojour se esmera em prover lazer, diversão e, até mesmo, aulas de sueco/inglês para estrangeiras. Elas também saem com as crianças e sempre fazem alguma atividade lúdica durante o fim de semana, respeitando quando as abrigadas preferem ficar sozinhas.  Ainda assim, as voluntárias entram em contato por telefone para se certificarem que estão seguras e para que mostrar que não estão sozinhas.

Para trabalhar como voluntária em um Kvinnojour, deve-se ter uma enorme responsabilidade e vontade de ajudar sem nenhum interesse econômico, além de uma robusta e estável saúde psicológica. Todos os voluntários devem apresentar seus antecedentes criminais, concluir os cursos obrigatórios e passar por treinamentos antes de iniciarem as atividades de voluntariado.

Muitas pessoas acreditam que apenas a agressão física é considerada violência doméstica e muitas vezes, nem a própria vítima tem consciência que está em um relacionamento abusivo por falta de informação. Por isso informar sobre todos os tipos de violência doméstica e os contatos para buscar ajuda são extremamente importantes. 

Legislação e educação

A legislação cumpre um papel muito importante, mas deve ser acompanhada de uma intensiva educação sobre o que é agressão e diversos tipos de violência. A informação deve ser adaptada pedagogicamente aos diferentes grupos etários, mas deve começar desse a primeira infância, tanto para meninos quanto para meninas.  

As estatísticas apontam que muitas mulheres, principalmente aquelas com filhos, não denunciam os agressores por motivos são diversos, mas o medo e a dependência econômica são dois fatores determinantes.

Além do engajamento nas redes sociais, as unidades oferecem cursos sobre violência doméstica, reuniões e seminários, o que tem contribuído imensamente para que muitas mulheres, jovens e crianças tomem conhecimento sobre seus direitos. O papel das organizações de apoio a mulheres, tem sido central para o compartilhamento destas informações e para o levantamento de dados sobre os casos no país. Lutamos em prol da extinção da violência contra a mulher e temos muito orgulho do trabalho que desenvolvemos! 


Elaine Sanches é diretora da instituição Plantão da Mulher de Hultsfred/Vimmerby e líder do Comitê Direito da Mulher do Grupo Mulheres do Brasil, núcleo Estocolmo.

Juliana Monti Paz é líder do Comitê Direito da Mulher do Grupo Mulheres do Brasil, núcleo Estocolmo.