Comércio exterior

Os 100 anos do Canal do Panamá, o canal que tem um país

Ao completar um século, passagem vive grandes transformações: a construção de uma via maior e mais moderna e a concorrência de projeto capaz de romper o monopólio da ligação entre Atlântico e Pacífico

Marinha dos EUA/Divulgação

A posição estratégica faz com eles chamem o país, ou melhor, o canal, de esquina do mundo

O Canal de Panamá veio mudar em muitos aspectos a configuração não apenas do comércio mundial, mas também do desenvolvimento econômico de regiões. Antes dele, a passagem de um oceano a outro requeria cruzar pelo sul da América do Sul, tornando portos como os de Lima e Valparaíso passagens estratégicas para o transporte marítimo.

O fracasso do projeto francês de Ferdinand de Lesseps – que terminou até com a prisão dele, assim como com a morte por acidentes e por lepra de cerca de 25 mil trabalhadores – permitiu que os Estado Unidos herdassem a obra, a concluíssem, ao mesmo tempo em que forjavam a separação da região do Panamá da Colômbia e levando à criação de país que viveria em função do canal.

Os Estado Unidos impuseram o direito de controle direto do Canal do Panamá por um século, fazendo da zona um enclave colonial dentro do país, que passou a dele viver economicamente. Até que o nacionalista general Omar Torrijos decidiu fazer cumprir os prazos do tratado e conseguiu que o governo do Panamá retomasse o seu controle, em 1977.

Porém, a dependência dos Estados Unidos não deixou de ser menor deste então. O país não dispõe de outra fonte importante de renda. O esgotamento da capacidade de uso do canal e a construção de outra via – submetida por referendo à população e aprovada – está sendo levada adiante sob a responsabilidade direta dos Estados Unidos.

Essa posição estratégica – que faz com eles chamem o país, ou melhor, o canal, de esquina do mundo – é defendida militarmente pelos EUA, pela importância de única via que permite a passagem direta entre os dois oceanos.

A modernização do Canal do Panamá, que permite que navios de maior calado transitem, se projeta para a América do Sul. O Uruguai e a Argentina disputam o desfrute dessas vantagens. Ambos constroem ou adaptam portos que possam corresponder aos novos calados, especialmente voltados para a exportação para a China, movimento crescente em toda a região.

Essa disputa se dá paralelamente a uma outra, também entre o Uruguai e a Argentina, sobre a circulação pelo Rio da Prata, para passar as exportações do Paraguai, antes monopolizada pela Argentina, na qual o Uruguai entra com acordo direto com o governo paraguaio, além da oferta para que a Bolívia também disponha de portos uruguaios para a exportação dos seus produtos.

Mas a maior novidade veio de outro lado. Um antigo projeto de aproveitar os lagos da Nicarágua para construir outro canal, antes considerado pelos Estado Unidos, foi retomado pelo governo de Daniel Ortega, mediante acordos com a China. Esta representa a abertura de outra via entre os dois oceanos, expressão direta das novas relações de comércio e de força política no plano internacional. De que o porto de Mariel, construído pelo Brasil em Cuba, é um complemento.

Ao completar neste 15 de agosto um século, o Canal de Panamá vive assim suas maiores transformações: a construção de uma via maior e mais moderna e a concorrência de um novo canal, quebrando um dos seus aspectos essenciais – o monopólio de que gozou, por cem anos, da via de comércio entre os dois oceanos, agora mais valorizado do que nunca, com as profundas transformações que a avassaladora expansão do comércio da China com tantas partes do mundo introduz.