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O fim do Brasil e o suicídio do Estado

O problema com a PEC 241 não se esgota na questão social. Muito mais grave é o enfraquecimento relativo da soberania popular

lula marques/agpt

Não se pode entender que os deputados e senadores sabotem, de forma suicida, o seu poder real

Dizem que um chefe mafioso, famoso por sua frieza e crueldade no trato com os inimigos, resolveu dar ao filho uma Lupara, uma típica cartucheira siciliana, quando este completou 15 anos de idade.

Na festa de aniversário, apareceu o filho do prefeito, que havia ganhado do alcaide da pequena cidade em que viviam, ainda nos anos 1930, um belo relógio de ouro.

Passou o tempo e um dia, como nunca o visse com ela, dom Tomazzo perguntou a Peppino pela arma.

Como resposta, o rapaz enfiou, sorrindo, os dedos no bolso do colete e tirando para fora um reluzente pataca “cebola”, respondeu-lhe que a havia trocado com o filho do prefeito pelo Omega dourado.

– Ah, si?

Gritou-lhe o pai, furioso, lascando-lhe sonora bofetada.

– E che va fare se, al andare per la strada, passa alcuno e lo chiama di cornutto? Que sono le dua e mezza, cáspita?

Esse velho “causo” italiano nos vem à memória, em função da lastimável notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou e enviou ao Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que limitará à inflação a evolução dos gastos do Estado brasileiro nos próximos 20 anos.

Nem mesmo nos Estados Unidos, um dos países mais endividados do mundo, com quase o dobro da dívida pública brasileira, existe um limite automático para o teto de endividamento nacional, bastando que este seja renovado ou aumentado pelo Congresso.

Como afirmamos em outro texto sobre o mesmo tema, publicado em julho deste ano, via Revista do Brasil, com o título de “Dívida pública e estratégia nacional – o Brasil na camisa de força“, não existem nações fortes sem estado forte, e isso nos lembra, novamente, os Estado Unidos, que têm 5 milhões de funcionários públicos apenas no Departamento de Defesa.

Se formos considerar o “ocidente”, não existem nações desenvolvidas sem alto endividamento, como é o caso dos países do G7, todos com dívidas públicas brutas ou líquidas maiores do que a brasileira, a começar pelo Japão, com 290% do PIB e, mais uma vez, pelos norte-americanos, de quem somos – apesar de estarmos “quebrados” – o quarto maior credor individual externo.

É compreensível que os inimigos da política, enquanto atividade institucionalizada, defendam, estupidamente, a diminuição do papel do Estado no contexto da sociedade brasileira, e, por meio dele, a diminuição do poder relativo do povo, com relação a outros setores e segmentos, como os banqueiros e os mais ricos, por exemplo.

O que não se pode entender é que os próprios deputados e senadores sabotem, de forma suicida, o seu poder real e o de barganha, enxugando os recursos de que dispõem o Congresso e o governo e, em última instância, o Estado, para atender seus eleitores, cumprir o seu papel e determinar os rumos do país e o futuro da sociedade brasileira.

O problema não se esgota na questão social, à qual se apega a oposição, quando cita a ameaça que paira, com essa PEC, sobre a educação e a saúde.

Muito mais grave é, como dissemos, o enfraquecimento relativo da soberania popular exercida por meio do voto pela população mais pobre.

E, estrategicamente, o engessamento suicida do Estado brasileiro, em um mundo em que, como provam os países mais desenvolvidos, não existe crescimento econômico sem a presença do governo no apoio a empresas nacionais fortes – vide o caso da Europa, dos Estados Unidos, da China, dos Tigres Asiáticos – em áreas como infraestrutura, tecnologia, ciência, e, principalmente, defesa.

Temos de entender que não somos uma republiqueta qualquer.

Que nos cabe a responsabilidade de ocupar – sem jogar pela janela – o posto de quinto maior país do mundo em território e população, que nos foi legado, à custa de suor e de sangue, pelos nossos antepassados.

Se formos atacados por nações estrangeiras – que não estarão à mercê de semelhantes e estúpidas amarras –, se formos insultados e ameaçados em nossa soberania, o que vamos fazer quando precisarmos, por meio de endividamento – como fazem os Estados Unidos a todo momento – aumentar a produção de material bélico e armar as nossas forças contra eventuais inimigos externos?

Esperar 20 anos, para que se extinga a validade dessa lei absurda que estamos votando agora? Ou gritar, para os soldados estrangeiros, quando estiverem desembarcando em nossas praias, o índice de inflação do ano anterior e, como o filho do mafioso siciliano, informar que horas são quando eles estiverem nos chamando de imbecis, agredindo nossos filhos e estuprando nossas mulheres?

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