Desenvolvimento em foco

É justo pensão alimentícia ter incidência do Imposto de Renda?

Os reflexos da incidência do imposto de renda, e o papel da pensão alimentícia e seu de proporcionar condições mínimas para subsistência

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O objetivo desta nota é analisar os reflexos da incidência do imposto de renda sobre a pensão alimentícia, considerando seu aspecto econômico, por proporcionar condições mínimas para subsistência. As partes levantam gastos do alimentando, visando a fixar valor suficiente para atender às suas necessidades essenciais, entretanto, poucos sabem que há reflexos tributários para quem paga e para quem recebe. Em nota técnica a ser publicada na 21ª Carta do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs) trataremos da Incidência do Imposto de Renda sobre pensão alimentícia. Aqui uma síntese da nota.

O Estado tem o dever Constitucional de proteger a entidade familiar. Ao longo dos anos a entidade familiar sofreu inúmeras transformações, reconhecendo hoje como família não só aquela decorrente do casamento, mas também a decorrente da união estável, da união homoafetiva, família monoparentais e até mesmo as decorrentes do afeto. O direito de família não se apresenta de modo apartado do direito tributário, ao contrário, este também vem avançando, já reconhecendo como dependentes companheiros héteros e homoafetivos, desde que atendidos os demais requisitos formais, mas ainda tem muito a avançar para adequar-se ao direito de família. Por exemplo, visando o melhor interesse dos menores recomenda-se a guarda compartilhada, ou seja, apesar da guarda física ficar apenas com um guardião, ambos possuem a guarda, entretanto, apenas um deles poderá lançar o menor como dependente em seu imposto de renda, esta é apenas uma situação dentre tantas outras que o direito tributário ainda terá de enfrentar.

O dever de sustento dos genitores para com os filhos decorre do poder familiar, e abrange não só os alimentos propriamente dito, mas também o dever de prover as necessidades como educação, saúde, vestuário, lazer e outras que se fizerem necessárias garantindo a dignidade do alimentando.

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Assim é inegável que os alimentos possuem caráter econômico, podendo ser fixados com pagamento in pecunia, in natura ou ainda de forma híbrida. O primeiro ocorre quando o alimentante realiza o pagamento em dinheiro, ficando o genitor guardião físico responsável pelo pagamento das despesas. Já o pagamento in natura, ocorre quando o alimentante realiza o pagamento direto para determinadas instituições, como escola particular, transporte escolar, aulas extracurriculares, convênio médico, etc. Podendo ainda o pagamento ser híbrido, com pagamento de determinado valor, mais o pagamento direto a instituições determinadas, e o modo como os alimentos são fixados influencia diretamente na incidência ou não do imposto de renda.

O Código Tributário Nacional dispõe que o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica obtida pelo recebimento de renda e de proventos de qualquer natureza. A Lei nº 7.713/88 deixa claro a incidência sobre os alimentos e pensões percebidos em dinheiro.

O encargo tributário acaba por recair sobre importâncias recebidas a título de alimentos, sujeitando-se à tributação do imposto de renda. O credor dos alimentos se vê obrigado a realizar o pagamento do Imposto de Renda, sob uma verba recebida para sua subsistência, tornando desigual o tratamento tributário entre o devedor de alimentos que pode deduzir a totalidade do valor pago ao alimentando in pecunia, contudo, ao alimentando, cabe pagar o imposto, ficando afastada da legislação tributária a incidência os alimentos in natura. Ou seja, o pagamento da pensão in natura não poderá ser lançado nas deduções do alimentante, de outro lado, também não será tributado do alimentando pelo fato destes pagamentos serem efetuados diretamente aos credores.

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De certo, a pensão alimentícia auferida não se enquadra no conceito de renda, pois não se trata de produto do capital nem do trabalho e, mesmo incidindo sobre proventos de qualquer natureza, assim entendidos como acréscimos patrimoniais advindos de outras fontes que não do capital ou do trabalho, a questão que se impõe é: a pensão alimentícia pode ser caracterizada como um acréscimo patrimonial?

Os alimentos possuem caráter humanitário, assegurando a dignidade da pessoa que dele necessita e não tem meios de prover o seu próprio sustento, sendo assim considerado desde a Emenda Constitucional 64/2010 como um verdadeiro direito social, o que por si só torna inadmissível a incidência tributária, pois não é essencialmente renda.

A família cumpre verdadeira função social, sendo considerada a base da sociedade, e possuindo proteção do Estado. Nesta esteira, os alimentos se apresentam como direito social indispensável para a sobrevivência, garantindo o mínimo existencial para a dignidade da pessoa humana, todavia, o alimentando ao receber este valor, sofre incidência de imposto de renda, ou seja, o valor que a princípio deveria ser pago pelo Estado para garantir o mínimo existencial, é reduzido pela incidência de imposto de renda pago ao Estado. Neste contexto, parece haver uma ambiguidade entre o dever e o direito do Estado com relação a tributação dos alimentos prestados, qual seja, é digno tributar esse valor?

Por isso e muito mais, em 2015, o Instituto Brasileiro de Direito de Família, ingressou com ação direta de inconstitucionalidade da incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia (ADI 5.422), sob a alegação de ocorrência de bitributação, na linha de que o alimentante já sofreu a tributação de imposto de renda quando do recebimento da renda ou proventos.

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Em fevereiro último, o STF firmou por maioria de votos o entendimento de que não cabe incidência do imposto de renda sobre a pensão alimentícia recebida, firmando-se o entendimento pela inconstitucionalidade dessa incidência. Porém, o Ministro Gilmar Mendes fez um pedido de destaque, de modo que a votação virtual foi zerada, passando então para o Plenário presencial.

Tudo leva a crer que o resultado da votação será no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade dessa tributação, todavia, é preciso estabelecer a modulação, como a possibilidade ou não de restituição, se o alimentante poderá continuar deduzindo o valor da pensão alimentícia, tendo em vista que hoje isso é possível na sistemática de tributação do alimentando.

Se a tese de inconstitucionalidade se confirmar, segundo a AGU, os cofres da União sofrerão uma perda anual de arrecadação de R$ 1 bilhão de reais, podendo chegar a R$ 6,5 bilhões de reais caso a modulação seja pela restituição dos cinco anos anteriores.

De todo modo, o julgamento ainda está em trâmite e para a declaração de imposto de renda que se finda em abril, justo ou injusto, tudo segue como antes, os alimentantes deduzindo os valores pagos a título de pensão alimentícia e os alimentandos declarando o recebimento com a incidência do imposto se o recebimento atingir o valor tributável. Sendo certo que para poder deduzir o valor pago a título de pensão alimentícia é necessário que a obrigação esteja estabelecida em escritura pública, sentença ou acordo judicial, bem como ser paga em espécie.


Rosana Marçon da Costa Andrade, advogada, é mestre em Direito Econômico e especialista em Direito Empresarial. Professora de graduação, pós-graduação e coordenadora do Núcleo de Assistência Jurídica da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).
Paula Cristina Araújo é especialista em Direito de Família e Sucessões e pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil. Professora de pós-graduação e extensão da Escola Superior da Advocacia. Coordenadora da ESA Núcleo SCS. Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SCS.

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