Marcio Pochmann

O ‘impostômetro’ está no lugar errado

A contagem de impostos deveria estar nas periferias das cidades. Jamais nos bairros ricos, onde se situam os maiores exemplos de privilégios ofertados pelo sistema tributário nacional

Apu Gomes/Folhapress

O impostômetro da Associação Comercial de SP marca R$ 1 trilhão em 12 de agosto: este não é o debate

A tributação tem sido tema corrente nos debates sobre a situação brasileira atual. Infelizmente, a abordagem predominante termina por omitir, muitas vezes, a questão da desigualdade existente entre quem paga, paga pouco e não paga muito impostos, taxas e contribuições.

Se não há homogeneidade no tratamento tributário brasileiro, seria razoável esperar em conformidade com a capacidade contributiva de cada um que os segmentos de maior renda terminassem contribuindo mais no pagamento dos impostos, taxas e contribuições, enquanto os estratos da população de menor rendimento pagassem menos.

A realidade, contudo, não tem sido assim. No Brasil, são os pobres que sustentam desde sempre o maior ônus da carga tributária. À medida que aumenta o grau de riqueza, menor tem sido a contribuição para a arrecadação tributária.

No ano de 2012, por exemplo, o Brasil registrou que 68% do total da população de 16 anos e mais de idade com rendimento recebeu até dois salários mínimos mensais, o que representou somente 30% de toda a renda nacional. Apesar disso, a parcela mais pobre da população pagou 42,1% de toda a conta tributária do país.

Na outra ponta encontra-se a parcela da sociedade de maior rendimento. Isto é, o estrato social com remuneração acima de dez salários mínimos mensais que representou, em 2012, apenas 2,6% dos brasileiros de 16 anos e mais idade com rendimento e absorveu 22,2% de toda renda nacional. Mesmo recebendo quase um quarto dos rendimentos do país foi responsável por pagar somente 18% da arrecadação tributária nacional.

Por conta disso, constata-se que o princípio público da justiça tributária não se apresenta de forma desejável. A desigualdade na aplicação dos impostos, taxas e contribuições no Brasil faz com que o trabalhador que recebe até dois salários mínimos por mês comprometa 197 dias por ano para poder pagar a carga da tributação, enquanto quem recebe acima de 30 salários mínimos mensais gasta 106 dias do ano para o atendimento de impostos, taxas e contribuições.

Para além da desigualdade comprovada entre quem paga, pouco paga e não paga tributos no Brasil, prevalecem ainda as deduções e desonerações concentradas nos segmentos de maior rendimento, sobretudo no caso do Imposto de Renda. Isso porque somente no ano de 2012, por exemplo, os abatimentos de impostos realizados pelos declarantes de gastos com saúde privada chegaram a R$ 46,1 bilhões.

No mesmo ano, a saúde pública comprometeu a quantia equivalente a 3,8% do Produto Interno Bruto para atender a mais de 160 milhões de brasileiros. Os recursos deduzidos do Imposto de Renda por cerca de 10 milhões de pessoas que tiveram gastos com a saúde privada no Brasil representaram 1,1% do PIB.

Em síntese, nota-se que o sistema tributário permite atender com valor equivalente a quase 1/3 do que o país compromete com toda a saúde pública a cerca de 10 milhões de brasileiros privilegiados.

Isso define o sistema tributário como injusto, porque regressivo ao cobrar mais tributos de quem menos recebe e oferecer financiamento para o pagamento da saúde privada com deduções do pagamento de impostos a uma minoria privilegiada. O mesmo também ocorre em relação ao financiamento dos gastos privados com educação, previdência e assistência social.

Não obstante avanços importantes constatados no período recente no Brasil, o Estado segue muito forte para cobrar impostos, taxas e contribuições de pobres e bem frágil para atuar tributariamente perante os ricos. Por mais paradoxal que possa ser, os segmentos de maior renda são os que mais criticam o sistema tributário, chegando a construir impostômetro no centro da cidade mais rica do País.

Já os pobres, pela desinformação da regressividade tributária e ausência de educação fiscal nas escolas, seguem pagando impostos, taxas e contribuições acentuados sem praticamente questionar. Nesse sentido que o impostômetro, se necessário, deveria estar nas periferias das cidades, jamais nos bairros ricos, onde se situam os maiores exemplos de privilégios ofertados pelo sistema tributário nacional.

Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, é colunista da RBA