Economia burra

A ineficiência da austeridade fiscal no centro da desigualdade

Efeitos da “diminuição do Estado” propagada pela economia financeira globalizada – como desemprego, criminalidade e epidemias – acabam por acionar o próprio Estado a agir sobre o degradado tecido social

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Estado mínimo, ao agravar concentração de renda, exigirá novos gastos públicos decorrentes de desigualdade

Desde a década de 1980, com a ascensão do receituário neoliberal, a perspectiva de corte no gasto público ganhou maior centralidade na condução da política econômica. Com a crise do ciclo de expansão capitalista entre as décadas de 1940 e 1970, a validação da tese sobre a ineficiência do Estado se tornou central na busca de outro modelo de desenvolvimento econômico e social.

Nesse sentido, o emagrecimento do Estado por meio da redução do gasto público e, por consequência, dos impostos, taxas e contribuições fiscais tornaria mais dinâmico o conjunto das forças de mercado. Mas, na realidade, o que se observou a partir de então foi a diminuição da tributação sobre os ricos e a contenção do gasto público direcionada a atender os maios pobres na maior parte das sociedades que seguiram os programas de austeridade fiscal.

O resultado disso não resultou em novo ciclo sustentado de expansão capitalista. Com a globalização financeira instalada a partir daí, cresceu a apropriação dos ricos sobre a renda gerada, produzindo mais pobreza e desigualdade social.

Ao mesmo tempo não se assistiu à queda efetiva no gasto público, tampouco na tributação total. Na comparação entre os anos de 1980 e 2014, por exemplo, comprova-se a elevação do conjunto do gasto público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), como nos casos da França, que passou de 46,1% para 57,2%, do Reino Unido, de 42,9% para 44,4%, da Alemanha, de 42,6% para 43,9%, e dos Estados Unidos, de 31,8% para 35,7%.

Apesar disso, houve mudança importante na composição do gasto público. De um lado, a contenção das despesas sociais acompanhada pelo aumento relativo das despesas com defesa militar e pagamento com juros do maior endividamento público.

De outro lado, a perda de participação relativa com gastos na saúde e educação terminou se refletindo, por exemplo, com a elevação das despesas correlatas, como a proteção ao desempregado, as penitenciárias, segurança pública, entre outras. Ou seja, o programa de austeridade fiscal diminui a despesa pública no curto prazo, porém no médio e longo prazo produz um estoque de vítimas do neoliberalismo que exige atuação do Estado frente ao aumento da violência, aparecimento de doenças epidêmicas, pobreza, desemprego, entre outras.

Com isso, percebe-se que o gasto social contido por decorrência da adoção das políticas de ajuste fiscal termina rebaixando o padrão de vida da população, especialmente os segmentos mais vulneráveis. O efeito imediato da contenção das ações estatais visando a prevenir o agravamento do quadro social se reproduz na forma de maior desemprego, criminalidade, epidemias de doenças, entre outros.

Em síntese, o Estado volta a ser acionado para agir diretamente sobre o novo e degradado tecido social por meio de políticas curativas/repressivas. Também a promoção do regime de dominação financeira pressiona a despesa pública em relação ao PIB.

Diante disso, constata-se que os programas de austeridade fiscal distanciam-se dos objetivos propagandeados originalmente de criar as condições necessárias para a sustentação do crescimento econômico e social. O resultado efetivo tem sido o esvaziamento relativo dos gastos sociais e com investimento em condições necessárias para compensar tanto a elevação das despesas militares e com juros da dívida pública que sustentam os ganhos dos mais ricos como a redução dos tributos sobre os segmentos de maior renda.

Sem conter a elevação do gasto total do Estado no médio e longo prazo, a política neoliberal tem produzido mesmo é o rebaixamento do padrão de vida da população. O encolhimento da classe média e a ampliação da pobreza constituem suas principais evidências empíricas comprovadas.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

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