Desenvolvimento em foco

A alta dos preços internacionais de petróleo e o impacto no bolso dos brasileiros

Em 2021, os preços médios de gasolina e diesel subiram em torno de 45%, afetando os transportes e, por consequência, o custo de vida

Roque de Sá/Agência Senado
Roque de Sá/Agência Senado

O objetivo deste artigo é avaliar o comportamento recente dos preços internacionais do petróleo e os impactos sobre a formação dos preços domésticos dos combustíveis. O artigo sintetiza nota técnica publicada na 20ª Carta de Conjuntura da USCS (confira aqui). No âmbito das questões geopolíticas, cabe ressaltar alguns elementos fundamentais para avaliar o comportamento dos preços internacionais. As duas primeiras décadas do século XXI foram marcadas por transformações importantes na indústria mundial do petróleo. Desde a década de 1970 com a consolidação da Opep, a oferta de petróleo para atender a demanda mundial era concentrada nos campos produtores dos países do Oriente Médio devido aos baixos custos.

No entanto, essa configuração foi modificada no início deste século a partir de políticas governamentais e de estratégias empresariais. Como aponta o professor William Nozaki, da Fundação Escola de Sociologia e Política – e especializado em pesquisa no setor –, as principais descobertas petrolíferas de exploração econômica viável e promissora concentram-se no continente americano. Por exemplo, shale gas e o tight oil norte-americanos, o óleo das areias betuminosas canadenses e o óleo do pré-sal brasileiro. Prova disso é que em 2018 os EUA assumiram o posto de maior produtor de petróleo do mundo, com mais de 11,3 milhões de barris por dia. Além disso, o Canadá bateu recorde de comprovação de reservas totalizando mais de 179,6 bilhões de barris. E o Brasil ingressou na lista dos 10 maiores produtores de petróleo com média de 2,5 milhões de barris por dia. Desse modo, ultrapassou países tradicionais, como o Kuwait.


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Em 2021, além de diversos fatores que tradicionalmente afetam a volatilidade dos preços internacionais de petróleo, um novo elemento contribuiu para o atual movimento de alta. O aumento substancial dos preços do gás natural liquefeito (GNL) na Europa. Ressalta-se que, na sua forma líquida, o GNL é comercializado internacionalmente pois pode ser transportado por meio de navios metaneiros. Na primeira semana de outubro de 2021, os preços de referência do GNL ultrapassaram US$ 55/milhão de Btu. Desse modo, o valor ficou 100% maior do que no mês anterior.

Nos últimos cinco anos, a despeito da volatilidade no período de inverno, os preços no mercado europeu raramente foram superiores a US$ 10-12/milhão Btu. Esse aumento pode ser explicado por diversos fatores. Entre eles, inverno rigoroso no Hemisfério Norte, ocasionando redução nos níveis de estoques de petróleo nos EUA e na Europa; menor oferta de energia eólica decorrente da falta de vento; temperaturas elevadas no verão do Hemisfério Norte, o que acarretou em aumento do consumo para atender a demanda para refrigeração de ambientes; e problemas operacionais nas plantas de GNL e em campos produtores de gás.

Além disso, no Hemisfério Sul, a Argentina precisou importar volumes crescentes de GNL, incluindo a reativação do terminal de GNL de Bahia Blanca, por conta da redução da produção nacional de gás. O Brasil também contribuiu com o aumento da demanda global de GNL. Tanto para atender as termelétricas a gás, em decorrência da produção reduzida de hidroeletricidade dado o baixo nível dos reservatórios da região Sudeste/Centro Oeste. Quanto para complementar a oferta nacional em função da redução da produção associada à manutenção da plataforma de Mexilhão na Bacia de Santos.


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No inicio de 2020, os preços internacionais de petróleo giravam em torno de US$ 65/barril. Conforme a pandemia da covid-19 avançava, os países passavam a adotar medidas de isolamento social e o consumo de combustíveis diminuía. Assim, a reduzida demanda por petróleo pressionou os preços para baixo. Desse modo, o barril chegou a níveis inferiores a US$ 20 entre março e abril e passou a oscilar na faixa de US$ 40 a 45, com tendência de pequena recuperação até o fim do ano, quando as cotações estiveram em torno de US$ 50.

Observando o ano de 2021, as cotações do petróleo no mercado internacional apresentaram trajetória de alta desde o início. O preço do barril do tipo Brent, referência internacional, passou a marca de US$ 80 em meados de outubro, alcançando patamares semelhantes àqueles verificados no final de 2018.

Dos fatores tradicionais que pressionaram os preços dos derivados de petróleo no Brasil, podem ser destacados elementos referentes tanto ao mercado internacional, como: (1) restrição de oferta combinada ao aumento da demanda; quanto ao mercado nacional; (2) a alta da moeda norte-americana; e (3) elevação dos preços dos biocombustíveis.

1 – Condições de oferta e demanda no mercado internacional

Em 2021, a economia mundial se recuperou e, consequentemente, a demanda de derivados de petróleo cresceu em relação a 2020. No entanto, a oferta de petróleo não acompanhou o ritmo de crescimento da demanda. Uma das razões reside na decisão de postergar os aumentos de produção tomada pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) um cartel que reúne 13 países e concentra cerca de 33% da produção global da commodity. Além dos cortes da Opep, outros produtores, como Rússia e Estados Unidos, adotaram estratégias de reduzir a produção em função dos baixos preços registrados em 2020.

Em suma, o crescimento da demanda, os aumentos limitados da oferta pela Opep e o baixo ritmo de produção dos países não-Opep promoveram, portanto, redução significativa dos estoques mundiais. Esses fatores combinados, além da questão específica do mercado de gás natural, pressionaram o aumento dos preços de petróleo no mercado internacional.

2 – Alta do dólar

Em relação ao câmbio, a taxa manteve-se em patamares elevados, em geral, na faixa entre R$/US$ 5,00 e 5,50, devido às incertezas em relação à efetiva retomada da economia brasileira, bem como às decisões da política monetária dos Estados Unidos, além das questões referentes à elevação dos preços das commodities no mercado internacional e, em particular, do petróleo e derivados.

3 – Preços dos Biocombustíveis

Os biocombustíveis entram na composição da gasolina e do diesel e, atualmente, o etanol anidro é misturado à gasolina na proporção de 27%; já o biodiesel equivale a 10% do diesel comercializado no país. Por um lado, o preço do etanol anidro subiu 60% em 2021, conforme dados do Cepea/Esalq (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). Por outro, cerca de 70% do biodiesel é composto por óleo de soja, cujos preços estiveram elevados no mercado internacional.

preço gasolina

Em 2021, a alta os preços médios de gasolina e diesel subiram em torno de 45%, pressionando muito os índices de inflação. Destaca-se que o diesel tem uma importância fundamental nos segmentos de transporte de passageiros e de cargas no país. Portanto, afeta os preços dos bens e serviços em geral.

Em virtude do debate sobre a atual política de preços dos combustíveis, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados realizou, em outubro de 2021, audiência pública para discutir o Projeto de Lei n° 750/21, que cria o Fundo de Estabilização dos Preços dos Derivados do Petróleo, com o objetivo de atenuar a volatilidade dos preços internacionais, particularmente em períodos com tendência de alta, sobre os preços ao consumidor final dos combustíveis. Ressalta-se que instrumentos similares são utilizados em diversos países.


Lúcia Navegantes Bicalho é mestre em Planejamento Energético (COPPE/UFRJ) e graduada em Economia (UFRJ). Trabalhou na Eletrobras e coordenou a área de Defesa da Concorrência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) entre 2011 e 2015.

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