mortalidade risível

Trinta anos depois da morte de Tancredo, Brasil de Aécio ainda discute o golpismo udenista

Essas poucas linhas são pra dizer que 30 anos atrás, em 21 de abril de 1985, a barra estava pesada: com a morte de Tancredo Neves, nessa data estranhamente simbólica, não sabíamos o que aconteceria

Celio Azevedo/arquivo Senado Federal

Para alguns jovens de hoje, dizer que Tancredo era uma esperança pode soar inexplicável, ou piegas

Em 21 de abril de 1985 morria Tancredo Neves. Nós que éramos jovens naquela época víamos o primeiro presidente civil, desde a implementação da ditadura em 1964, como uma esperança, apesar de Tancredo ter sido eleito num colégio eleitoral. Para alguns jovens de hoje – considerando os que nasceram a partir da década de 1980 –, dizer que Tancredo era uma esperança pode soar inexplicável, ou piegas. Mas é preciso entender que o presidente que Tancredo sucederia era o general João Baptista Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) em governos anteriores, quando a tortura e o assassinato eram políticas justificáveis para manter o Estado de segurança nacional. Figueiredo foi presidente como prêmio por ter cumprido com eficiência seu papel no SNI.

Tínhamos vivido tempos obscuros. Eu não vivi a época da ditadura, graças a Deus, mas um grande amigo meu, da geração anterior, viveu. Foi torturado etc, assim como outros que conheci depois. Mas até hoje esse meu amigo chamado José considera Tancredo uma importante presença na política brasileira. Um homem que foi ministro da Justiça e Negócios Interiores de Getúlio Vargas. E que, diz a lenda, foi um dos mais bravos resistentes contra o golpe udenista que levou Getúlio ao suicídio.

Morto Tancredo, assume José Sarney, embora muitos, ou alguns, defendessem a posse de Ulysses Guimarães. José Sarney, justamente o líder maranhense cuja carreira política começou na esteira da morte de Getúlio Vargas (1954). Sarney era da UDN. Com a extinção desta em 1965, abraçou a Arena. Depois, o PDS.

Essas poucas linhas são pra dizer que 30 anos atrás, em 21 de abril de 1985, a barra estava pesada: com a morte de Tancredo, nessa data estranhamente simbólica, não sabíamos o que aconteceria. Atrás, era Figueiredo; na frente, Sarney. Estávamos perplexos, nós com nossos vinte e poucos anos, nossa fé no futuro e nossas dúvidas.
Havia teoria da conspiração na época, não pensem que isso é uma invenção contemporânea. Tancredo havia simplesmente morrido ou tinha sido assassinado? Como saber?, a gente se perguntava.

Curiosamente, Sarney fez um governo caótico, mas não impopular. Embora de maneira tosca, e apesar do caos econômico, com o Plano Cruzado ele conseguiu de certa maneira distribuir renda. O plano determinava o congelamento de preços, trazia ao cenário os “fiscais do Sarney”, introduzia antecipação do salário mínimo para incentivar o consumo. Enfim, um governo populista, mas não impopular.

Mas depois, sim, aí veio o caos, com Fernando Collor de Mello (1990), metaforicamente o Nero (imperador romano que governou de 54 até 68 d.C.) da história brasileira.
Foi desesperador. A primeira eleição para presidente no Brasil desde Jânio Quadros (eleito em 3 de outubro de 1960) colocou Collor no poder! Não era possível enxergar futuro para o Brasil.

Collor caiu e apareceu seu vice Itamar Franco, um político fisiológico, mas que não tinha, como Sarney, origem oligárquica e coronelista. Itamar era um pequeno-burguês, um engenheiro, começara no PTB de Vargas, partido que foi extinto em 1965 junto com a UDN. Itamar foi do MDB (depois PMDB), do PL, do PRN de Collor, depois voltou ao PMDB. Mas, para encurtar a história, Itamar fez um governo populista mais ou menos como o de Sarney. O Brasil da conciliação.

Depois veio Fernando Henrique Cardoso, que propôs implementar no Brasil o neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Depois veio Lula, depois Dilma (e aqui, em vez de comentar, prefiro indicar a leitura de Os sentidos do lulismo, de André Singer – afinal, conhecer a história dá um pouco de trabalho, não é tão simples assim).

Estamos em 2015, 30 anos depois da morte de Tancredo Neves, e o Brasil ainda está discutindo golpe e golpismo, sob a batuta do neto (na linhagem materna) de Tancredo, Aécio Neves, personalidade que Milan Kundera diria que está construindo sua imortalidade risível.

Leia o texto no blog Fatos Etc.