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Senador critica proposta de Meirelles e Jucá: ‘Meta de cínicos’

Governo Temer faz uso dos mesmos mecanismos de política econômica que criminalizou e condenou há poucos dias. Em vez de cortar gastos, ministros sinalizam para aumento de déficit e descontingenciamento

Wilson Dias/Agência Brasil

Henrique Meirelles e Romero Jucá: agora no poder, praticantes do que disseram condenar

No começo da noite de sexta-feira (20/05), os novos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Romero Jucá (Planejamento), do governo golpista de Michel Temer, convocaram às pressas uma coletiva de imprensa com o intuito de explicar a proposta de alteração da meta fiscal, a ser enviada em regime de urgência ao Congresso nesta segunda-feira para ser votada, a toque de caixa, no dia seguinte. Tudo muito apressado e sem discussão.

Surpreendente o cinismo dos dois ministros. Na maior cara lisa, propuseram, em rede de televisão, um déficit fiscal primário de R$ 170,5 bilhões, alterando para muito mais a proposta original de déficit do governo Dilma, na ordem de R$ 97 bilhões. Mais cínicos, reduziram radicalmente o contingenciamento proposto pela equipe econômica anterior, dirigida por Nelson Barbosa, da ordem de R$ 45 bilhões, liberando gastos de R$ 21 bilhões. O argumento é prover, em conjuntura de crise econômica, recursos discricionários para obras hídricas, como a transposição do rio São Francisco, e investimentos em defesa das Forças Armadas, entre outros.

Reparem: os dois ministros propõem ao Congresso Nacional aprovar uma mensagem de megaexpansão de gastos públicos no momento em que a arrecadação registra queda de 4% em relação a 2015. Propõem acrescentar ao orçamento uma cláusula de gastar a descoberto mais de R$ 70 bilhões. Tentam transferir, sem argumentos críveis, a responsabilidade inalienável de seus próprios atos para Dilma. A presidenta eleita nada tem a ver com as artimanhas de Temer, Meirelles e Jucá. Na verdade, de vontade própria, eles é que estão flexibilizando a meta de 2016 para o alto.

Inacreditável que essa revisão de meta e consequente aumento de gastos tenha sido proposta há uma semana da aceitação da admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma.

Na coletiva de sexta-feira, quem diria, foi desmontado o principal e pífio argumento ideológico expresso no relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), na comissão de admissibilidade do impeachment. Qual seja, exatamente o dogma “ultraneoliberal” central daquele texto – a ideia abstrata, muitas vezes tornada senso comum-, de que quando a arrecadação cai, os governos devem, forçosamente, cortar gastos.

Cheguei a dizer na comissão que, ao aprovar aquele parecer, o Senado estava na contramão do mundo – inclusive de instituições como o FMI e o Banco Central Europeu -, criminalizando as estratégias econômicas anticíclicas. De nada valeu o apelo dos senadores de esquerda.

Agora, pasmem, o governo golpista faz uso dos mesmos mecanismos de política econômica que criminalizou e condenou há poucos dias. Em vez de cortar gastos, contingenciar, promover um shutdown (artifício de corte abruto de gastos) no orçamento, ao contrário, os dois ministros sinalizam para aumento de déficit e descontingenciamento.

Valter C./ABr
Lindbergh Farias, senador: ‘o golpe foi desnudado’

Cadê que fizeram uso das interpretações da Lei de Responsabilidade Fiscal contidas no chamado “relatório Anastasia”, segundo as quais, nas revisões bimensais da arrecadação, em caso de queda de receita, os gastos públicos deveriam ser necessariamente, e de pronto, travados?

O cinismo de Temer, Meirelles e Jucá desnudou a inconsistência absurda dos ridículos pretextos orçamentários e fiscais do golpe do impeachment. Estão nus, à maneira daquele rei ditador da fábula dos irmãos Grimm.

* Lindbergh Farias é senador pelo PT do Rio de Janeiro