anomalia

Secretário da Educação de SP usa site oficial para atacar direitos sociais

Um secretário de Educação jamais deve defender a ideia de que os direitos são uma forma oportunista de substituir o mérito e o trabalho, ainda mais em uma área vital para a promoção da igualdade

Ciete Silvério/A2img/Fotos Públicas

Alckmin deixa sociedade paulista órfã de um secretário de Educação à altura dos desafios da pauta

Não é necessária muita sofisticação intelectual para entender o papel do Estado como agente promotor das igualdades. O mercado concentra, o Estado equilibra. É através do Estado que se montam leis em defesa dos mais fracos e políticas sociais que permitam alguma igualdade de oportunidade.

A ideia de que os direitos são uma forma oportunista de substituir o mérito e o trabalho cabe melhor em espertezas como Paulo Skaf e outros menos votados, jamais em um Secretário de Educação, ainda mais em uma área vital para a promoção da igualdade.

Que o Secretário José Roberto Nalini expresse sua indignação para com os direitos sociais nos jornais em que escreve, ainda vá lá. Mas no próprio site da Secretaria da Educação, é uma ofensa – na última terça-feira (5) o secretário publicou um texto no portal, cuja reprodução segue abaixo.

Como o governador do maior estado do país entrega uma área crítica, como a educação, a alguém de pensamento tão religiosamente primário, que debita a miséria à dissolução da família, da Igreja, dos valores morais, como se fosse fruto de pecados individuais?

Qual a liderança que irá exercer sobre a rede de escolas, sobre alunos que estão despertando agora para seus direitos? Diz que a população se acostumou a reivindicar como se fosse sinal de atraso, e não de avanço civilizatório.

Quem critica a mediocridade do governo federal – com razão – deveria se debruçar sobre a gestão Alckmin. E, agora, sobre o Secretário de Educação Nalini. São Paulo não merecia isso.

Leia a mensagem de Nalini:

A sociedade órfã

José Renato Nalini, secretário da Educação do Estado de São Paulo

Uma das explicações para a situação de anomia que a sociedade humana enfrenta em nossos dias é o de que ela se tornou órfã. Com efeito. A fragmentação da família, a perda de importância da figura paterna – e também a materna – a irrelevância da Igreja e da Escola em múltiplos ambientes, gera um convívio amorfo. Predomina o egoísmo, o consumismo, o êxtase momentâneo por sensações baratas, a ilusão do sexo, a volúpia da velocidade, o desencanto e o niilismo.

Uma sociedade órfã vai se socorrer de instâncias que substituam a tíbia parentalidade. O Estado assume esse papel de provedor e se assenhoreia de incumbências que não seriam dele. Afinal, Estado é instrumento de coordenação do convívio, assegurador das condições essenciais a que indivíduos e grupos intermediários possam atender à sua vocação. Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. Apenas controlando excessos, garantindo igualdade de oportunidades e só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça, como emblemáticas. Tudo o mais, deveria ser providenciado pelos particulares.

Lamentavelmente, não é isso o que ocorre. Da feição “gendarme”, na concepção do “laissez faire, laissez passer”, de mero observador, o Estado moderno assumiu a fisionomia do “welfare state”. Ou seja: considerou-se responsável por inúmeras outras tarefas, formatando exteriorizações múltiplas para vencê-las, auto-atribuindo-se de tamanhos encargos, que deles não deu mais conta.

A população se acostumou a reivindicar. Tudo aquilo que antigamente era fruto do trabalho, do esforço, do sacrifício e do empenho, passou à categoria de “direito”. E de “direito fundamental”, ou seja, aquele que não pode ser negado e que deve ser usufruído por todas as pessoas.

A proliferação de direitos fundamentais causou a trivialização do conceito de direito e, com esse nome, começaram a ser exigíveis desejos, aspirações, anseios, vontades mimadas e até utopias. Tudo a ser propiciado por um Estado que se tornou onipotente, onisciente, onipresente e perdeu a característica de instrumento, para se converter em finalidade. 

Todas as reivindicações encontram eco no Estado-babá, cuja outra face é o Estado-polvo, tentacular, interventor e intervencionista. Para seu sustento, agrava a arrecadação, penaliza o contribuinte, inventa tributos e é inflexível ao cobrá-los.

Vive-se a paranoia de um Estado a cada dia maior. Inflado, inchado, inflamado e ineficiente. Sob suas formas tradicionais – Executivo, Legislativo e Judiciário. Todas elas alvo fácil das exigências, cabidas e descabidas, de uma legião ávida por assistência integral. Desde o pré-natal à sepultura, tudo tem de ser oferecido pelo Estado. E assim se acumulam demandas junto ao Governo, junto ao Parlamento, junto ao sistema Justiça.

O Brasil é um caso emblemático. Passa ao restante do globo a sensação de que todos litigam contra todos. São mais de 106 milhões de processos em curso. Mais da metade deles não precisaria estar na Justiça. Mas é preciso atender também ao mercado jurídico, ainda promissor e ainda aliciante de milhões de jovens que se iludem, mas que poderão enfrentar dificuldades irremovíveis num futuro próximo. 

No dia em que a população perceber que ela não precisa ser órfã e que a receita para um Brasil melhor está no resgate dos valores esgarçados: no reforço da família, da escola, da Igreja e do convívio fraterno. Não no viés facilitado de acreditar que a orfandade será corrigida por um Estado que está capenga e perplexo, pois já não sabe como honrar suas ambiciosas promessas de tornar todos ricos e felizes.