Morre Armando Nogueira, um dos maiores jornalistas esportivos do Brasil

Apesar de ter se mantido como diretor de jornalismo da TV Globo durante a ditadura, Nogueira foi responsável por uma reformulação no Jornal do Brasil e tinha um estilo poético para falar de futebol

Nogueira cunhou frases famosas sobre o ludopédio, como “Se não tivesse nascido rei, Pelé teria nascido bola” (Foto: Luiz Carlos Davi /Folha Imagem/Folhapress)

Desde o início da manhã desta segunda-feira (29), quando foi anunciada a morte do jornalista Armando Nogueira, começaram a aparecer mensagens de luto e homenagem ao mestre em blogs e twitters de jornalistas e admiradores. O Botafogo News, blog e twitter destinado a torcedores do Botafogo (uma das grandes paixões de Armando) anunciou a retirada de seu avatar por três dias. As manifestações de pesar continuaram com o governo e a prefeitura do Rio de Janeiro, que decretaram luto oficial de três dias. O mesmo fez a CBF, que determinou ainda um minuto de silêncio em todos os jogos da Copa do Brasil ao longo da semana.

Aos 83 anos, Armando Nogueira morreu em seu apartamento, por volta das 7h, vítima de complicações decorrentes do câncer no cérebro contra o qual lutava há dois anos e meio. O Brasil perde um de seus maiores jornalistas esportivos. Além de ter trazido novo frescor à crônica esportiva com seu texto dotado de fortes traços poéticos, o jornalista nascido em Xapuri (Acre) fez história ao ingressar na Rede Globo, onde chefiou o Departamento de Jornalismo durante 24 anos e foi o maior responsável pela consolidação de programas como Jornal Nacional, Globo Repórter e Fantástico.

O velório de Armando acontece no Maracanã, segunda casa do jornalista e local onde ele cunhou algumas de suas famosas frases, como aquela sobre Pelé: “Se não tivesse nascido rei, Pelé teria nascido bola”. Foi também no Maracanã que Armando, maravilhado, batizou Mané Garrincha de “o anjo das pernas tortas”. O enterro do jornalista será realizado nesta terça-feira (30), às 12h, no cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo.

Mesmo afastado de suas atividades profissionais, Armando Nogueira era constantemente lembrado nos últimos anos. Em 2008, recebeu do ministro das Comunicações, Hélio Costa, de quem fora chefe na Globo, a Medalha de Honra da Ordem ao Mérito das Comunicações, pelos serviços prestados ao jornalismo brasileiro. A última aparição pública de Armando aconteceu no final do ano passado, em uma homenagem prestada pelo Botafogo, que deu o nome do jornalista à sala de imprensa do Centro de Treinamento do clube, em General Severiano.

Trajetória

Armando Nogueira chegou ao Rio de Janeiro, onde se formou em Direito, em 1944. A paixão pelo futebol, no entanto, fez com que ele abraçasse o jornalismo a partir de 1950, quando começou a trabalhar como repórter para o Diário Carioca. Em 1954, ele cobriu na Suíça aquela que viria a ser a primeira de 13 copas do mundo que presenciou.

Aquele ano, aliás, foi fundamental para que sua carreira transcendesse o jornalismo esportivo, pois Armando foi testemunha ocular do célebre atentado à bala sofrido pelo então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, na Rua Tonelero. Seus relatos em primeira pessoa sobre o atentado alcançaram repercussão internacional.

Após trabalhar nas revistas Manchete e O Cruzeiro, Armando chegou em 1959 ao Jornal do Brasil, onde teve passagem marcante. A atenção despertada por seu trabalho fez com que fosse convidado pela Rede Globo em 1966 para ser diretor de jornalismo, cargo no qual permaneceu até 1990. Depois que saiu da Globo, o jornalista trabalhou na Rede Bandeirantes e participou da montagem dos projetos de criação da Rádio CBN e do canal a cabo SporTV.

Mesmo tendo estado à frente do jornalismo da Globo durante um período em que a emissora mantinha estreitos laços com a ditadura militar, Nogueira não era visto por seus pares como um homem vinculado ao regime: “Vivíamos um período de censura muito intenso. Foi uma fase dura para o jornalismo, e Armando aguentou isso com energia, paciência e habilidade diplomática”, disse à Globo News o jornalista Silio Boccanera.

Um dos episódios mais controversos de sua passagem pelo posto mais alto do jornalismo da Globo foi a edição do último debate do segundo turno das eleições presidenciais de 1989 no Jornal Nacional. A montagem da reportagem sobre o encontro entre os candidatos Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva foi vista, à época, como decisiva para o resultado do pleito. Nogueira, então diretor da Central Globo de Jornalismo, negou repetidas vezes participação na edição – o responsável apontado seria Alberico de Souza Cruz, então terceiro na hierarquia. Anos depois, o próprio Lula e outros assessores relativizaram o papel da cobertura da Globo sobre o evento.

Repercussão

Em seu twitter, o jogador – e agora vereador – Túlio Maravilha lamentou a morte de Armando Nogueira: “O esporte vai sentir sua falta. Que você descanse em paz, meu amigo”, disse o artilheiro, que lembrou outra frase antológica do mestre: “Com Túlio em campo, não existe gol anônimo”.

Em conversa exclusiva com a Rede Brasil Atual, um dos maiores jornalistas esportivos do país, Roberto Porto, lembra do período em que trabalhou com Armando Nogueira no Jornal do Brasil, na primeira metade de década de 60: “Eu era um repórter iniciante e o Armando já era a grande estrela do JB. Ele imprimiu na editoria de esportes um compromisso com a qualidade e a inteligência que permaneceu por décadas”, conta. O jornalista lembra que a passagem de Armando deu início a uma geração de ouro na editoria de esportes do JB, com destaque para Sandro Moreyra, João Saldanha, Marcos de Castro, Oldemário Touguinhó e Antônio Maria Filho, entre outros: “Uma verdadeira seleção”, resume Roberto Porto.