Um jantar muito indigesto em Bruxelas

Hollande e Merkel, no centro de um cardápio indigesto para tirar a Europa da crise (©Larry Downing/Reuters) Na quarta-feira (23) os 27 membros do Conselho Europeu – formado pelos governantes […]

Hollande e Merkel, no centro de um cardápio indigesto para tirar a Europa da crise (©Larry Downing/Reuters)

Na quarta-feira (23) os 27 membros do Conselho Europeu – formado pelos governantes dos 27 países da União Européia – se reuniram para um “jantar informal” em Bruxelas.

A entrada era a situação da Grécia; o prato principal, a discordância sobre os “eurobonds”; a sobremesa, a questão do crescimento.

Sobre a Grécia, houve uma concordância: até o momento, os governantes pensam que deixar a Grécia sair do euro é mais caro do que mantê-la na zona da moeda. Apesar disso, essa margem de certeza vai diminuindo. Embora oficialmente negado, o fato é que os outros países da zona do euro estão desenhando modelos de reação para a eventual saída da Grécia, que muitos consideram inevitável a médio prazo. A certeza do custo maior, hoje, se refere à estimativa de que agora, nesse momento, a saída da Grécia colocaria uma pressão insuportável sobre outros países em dificuldade: Portugal, Irlanda, Espanha e Itália.

Mas o prato principal era o mais indigesto. François Hollande, o presidente recém-eleito e empossado na França, voltou a falar sobre a necessidade de que o Banco Central Europeu lance “eurobonds” – letras – no mercado, captando recursos diretamente (não apenas através das contribuições dos tesouros dos estados-membros) e catapultando sua capacidade de ajudar bancos e países em dificuldade. E a chanceler alemã Angela Merkel voltou a declarar que isso é impensável na atual conjuntura.

A insistência de Hollande se apoia na convicção de que a única possibilidade de salvar o euro é fazer a economia europeia crescer de imediato. Para isso, é necessário afrouxar o arrocho orçamentário imposto aos países em dificuldade e possibilitar que o sistema financeiro tenha maior liquidez e volume de recursos.

A intransigência de Merkel se apoia na convicção de que dar esse passo agora prejudicaria a Alemanha – que é favorecida pela corrida de investidores às suas letras do tesouro, vistas como mais seguras e compradas ou renovadas a juros baixíssimos – e estimularia os países em dificuldade a contemporizar com as “reformas” indispensáveis, quais sejam, a adequação das finanças públicas, das relações de trabalho, das aposentadorias e pensões, e dos investimentos, aos ditames da banca financeira.

É um duelo de gigantes, entre receitas que não se combinam entre si. De um lado, vem a pressão do coro dos descontentes, cada vez maior, e expresso em votações cada vez menos favoráveis aos defensores da “austeridade”, depois das que levaram os conservadores ao poder em Portugal e na Espanha. Do outro, a pressão dos arautos da banca e da ortoxia financeira – assentados no Banco Central Europeu (BCE), na mídia, e no Bundesbank, o Banco Central Alemão, insistindo que é indispensável resistir às pressões “populistas”.

Ou seja, o que fica claro é que existe de fato um projeto concertado para desossar o Estado do Bem Estar Social europeu e moldar governos e sociedades aos modelos e conveniências do mundo financeiro. Tanto é assim que dirigentes da área econômica, como Jörg Asmussen, do Conselho do BCE., já declararam que a oposição aos “eurobonds” não é uma questão de princípio, mas sim de momento. Eles poderiam ser uma opção – mas DEPOIS que os países em crise implementassem as reformas, o que recebe o nome eufemístico de “fortalecimento da união fiscal”.

A novidade do encontro é que Angela Merkel e a Alemanha que ela representa estão cada vez mais isoladas no cenário europeu. Hollande recebeu o apoio (descrito como discreto) de Mário Monti, da Itália, do conservador Mariano Rajoy, da Espanha, e de José Barroso, o presidente da Comissão Europeia. Há quem sopre que por trás do pano o próprio Mário Draghi, presidente do BCE, estaria revendo suas posições ortodoxas: o problema estaria no seu “board”, onde quem dá a nota é gente como Asmussen ou o ultra-ortodoxo Jens Weidmann, presidente do Bundesbank alemão.

Hollande tem um poderoso trunfo na mão, que já foi também discretamente evocado. O acordo fiscal que 25 países membros da UE assinaram, uns voluntariamente, outros à força, precisa ser ratificado pelos parlamentos nacionais até o fim do ano. E assessores do novo governo francês já vêm soprando que, se não se colocar a hipótese dos eurobonds pelo menos na fila de espera, o novo parlamento francês que será eleito em junho, com provável maioria de esquerda, e nesse particular com apoio da extrema-direita de Marine Le Pen, rejeitaria o acordo.

Aí sim o caldo entornaria e o racha seria claro.

Quanto à sobremesa, o crescimento, sim, todos concordam que é necessário incentivar o emprego, sobretudo entre os jovens, que é necessário mais empenho nisso etc.

A ver.