O nó da extrema-direita na Alemanha

Neste apagar das luzes de 2011 a extrema-direita alemã ganhou uma exposição surpreendente e vergonhosa (conforme explicado em “O terrorismo de direita na Alemanha“, e “Duplo terror na Alemanha“). A […]

Neste apagar das luzes de 2011 a extrema-direita alemã ganhou uma exposição surpreendente e vergonhosa (conforme explicado em “O terrorismo de direita na Alemanha“, e “Duplo terror na Alemanha“).

A descoberta de uma célula terrorista em Zwickau que há 13 anos agia na clandestinidade, responsável por dez assassinatos, dois atentados a bomba, 14 assaltos a banco, além de outras “atividades menores”, pôs os serviços de inteligência do país (o federal e os regionais) numa situação constrangedora.

Como oito dos assassinados eram turcos, durante esse tempo todo os serviços de segurança procuraram uma hipotética “máfia turca” como responsável pelos crimes. 160 policiais investigaram a vida de 11 mil suspeitos. Entre esses, estavam familiares dos assassinados.

Recentemente saiu uma reportagem mostrando como a vida e a reputação desses familiares foir duramente atingida pelas investigações. Amizades se romperam, famílias foram isoladas, investigaram-se até suspeitas de crimes passionais. Crianças foram alvo de preconceitos nas escolas que frequentavam. Algumas dessas pessoas deixaram a Alemanha. Em nenhum momento a hipótese de um grupo terrorista de direita foi levada a sério. Tudo nas barbas dos serviços de inteligência. Há suspeitas de que nesses serviços possa haver simpatizantes que auxiliaram os criminosos, senão nos crimes, pelo menos no seu acobertamento.

O parlamento alemão pediu desculpas oficialmente àqueles familiares. A chanceler Angela Merkel qualificou o episódio de “vergonhoso”. O presidente alemão, Christina Wulff, recebeu os que foram localizados na sua residência oficial, em desagravo. A Alemanha estuda agora a possibilidade de pagar uma indenização a essas pessoas.

Esse caso reabriu uma outra questão complicada na política alemã. Existe um partido oficialmente registrado, o “Nazionaldemokratische Partei Deutschlands” (NPD), que agora teve um acréscimo no seu nome, “die Volksunion”, depois da fusão comum outro grupo, que é acusado de ser neonazi e que congrega militantes e os votos da extrema direita. Fundado em 1964, em lugar do “Deutsche Reichspartei”, esse partido não prega propriamente a superioridade de alguma raça, mas sim o “direito” a uma “pureza étnica”. É contra a União Europeia, que considera algo de espírito comunista, tem ligações com um político norte-americano, David Duke, que foi “Grand Wizard”, autoridade máxima, da Ku-Klux-Klan, e denunciou a eleição de Barack Obama como uma “africanização” dos Estados Unidos. Não se diz antissemita, mas se manifesta contra a existência do estado de israel. De 13 a 15 de fevereiro realiza anualmente grandes manifestações em Dresden, lembrando o bombardeio arrasador dessa cidade em 1945, pelos norte-americanos e britânicos, que despejaram ali quase quatro toneladas de bombas incendiárias. De fato, esse bombardeio é considerado hoje um “crime de guerra”, pois até hoje não se apresentou uma justificativa militar plausível para ele. Também até hoje não se sabe qual foi o número de mortos, tamanha foi a destruição da cidade. No seu centro um número incalculável de pessoas literalmente “se evaporou”. Mas os NPDs usam esse argumento para dizer que este sim foi um “holocausto”.

O NPD-VU disputa regularmente eleições. Nunca conseguiu eleger um representante para o Bundestag, o Parlamento Federal, por não ter atingido a cláusula de barreira de 5% dos votos. Entretanto, tem representantes em dois parlamentos estaduais, nos estados da Saxônia e de Mecklenburg-Vorpommern, ambos na antiga Alemanha Oriental, além de alguns outros em administrações regionais. Aqui em Berlim, por exemplo, eles não têm representantes no Conselho da Cidade (que têm stauts de estado), mas têm em dois conselhos regionais, cujos membros são eleitos diretamente.

A descoberta da célula de Zwickau trouxe à baila a ligação de alguns membros do NPD com o esquema de proteção de seus três membros principais. Um desses suspeitos, inclusive, é acusado de ter repassado uma das armas usada nos assassinatos cometidos. Por sua vez, isso reacendeu um tema antigo: a proibição do NPD.

Porém…

Novos fatos constrangedores vieram à tona. Veio à luz o fato de que há 130 informantes pagos pelo estado alemão infiltrados no NPD, 10 deles em postos de liderança. Um deles, inclusive, como parte de seu disfarce, chegou a publicar um livro considerado antissemita. Alguns desses informantes são dos serviços regionais de inteligência, sobretudo nos estados governados pela CDU – União Democrata Cristã, da chanceler Ângela Merkel, ou da União Social Cristã (CSU) da Baviera. Nos estados governados pelo SPD esses informantes foram “desativados”, por assim dizer. E há uma resistência, por parte desses serviços de inteligência, em “desativar” esses informantes, sob a alegação de que desse modo ficariam sem vigilância sobre a extrema-direita alemã. Entretanto, lembram outros, essa “vigilância” pode ser inoperante, como comprovou o caso da célula de Zwickau.

Tem mais. Lembrou-se de que em 2003 já houve uma tentativa de fechar o NPD, através da Suprema Corte. Entretanto os juízes consideraram que o partido não poderia ser proibido. Como havia agentes do governo infiltrados inclusive em sua direção, poder-se-ia considerar que, em parte, suas propostas tinham sido também patrocinadas pelo próprio estado, e assim as atividades de seus membros não poderiam ser consideradas ilegais, ou inconstitucionais. Agora, a batalha jurídica vai retornar, porque certamente os membros do NPD vão alegar que a decisão anterior da Suprema Corte deitou jurisprudência.

Enfim, a questão entrou num labirinto até agora sem saída. Essa bizarra “coligação” entre a extrema-direita e a estratégia de infiltração dos serviços de inteligência deu um nó cego na política alemã.