O terrorismo de direita na Alemanha

A preocupação com a extrema-direita tomou conta da mídia na Alemanha (Foto: Flávio Aguiar) Com o Serviço de Inteligência da Alemanha sob pressão, novos dados sobre a extrema direita começaram […]

A preocupação com a extrema-direita tomou conta da mídia na Alemanha (Foto: Flávio Aguiar)

Com o Serviço de Inteligência da Alemanha sob pressão, novos dados sobre a extrema direita começaram a surgir. É impressionante a soma de dados que esse setor tem: e é também impressionante como isso não serviu para nada no caso da “célula de Zwickau”, o grupo dos quatro responsável por uma dezena de assassinatos e 14 assaltos a banco na última década.

A revista Der Spiegel publicou uma reportagem com os dados desse Serviço (18/11, “Facts and Myths about Germany’s Far-Right Extremists“, na versão em inglês. Barbara Hans, Benjamin Schulz e Jens Witte). O sobretítulo da matéria era muito significativo: “Escondidos à plena vista”.

O Serviço (BfV) alemão estima em 25 mil o número de militantes de extrema-direita. Destes, 9,5 mil seriam favoráveis a algum tipo de violência. Entre estes, 5,6 mil seriam “neonazistas”, ou seja, defenderiam um tipo de regime semelhante ao implantado por Adolf Hitler, além de defenderem a existência de um país “etnicamente homogêneo”.

Se os números são baixos, pois a Alemanha tem quase 82 milhões de habitantes, a situação é preocupante porque eles estão aumentando: tanto os extremistas de direita no seu todo, como os propensos à violência, e os neonazistas entre eles.

Uma coisa é a presença dos neonazistas ostensivos, como no caso do partido NPD (cuja proibição voltou à baila), que fazem manifestações, empunham bandeiras, tocam música, fazem barulho e pregação ideológica, em suma. E às vezes entram em conflito com esquerdistas que acompanham as suas manifestações. Outra é a situação desses grupos extremistas voltados par aa violência sistemática. Como no caso da “célula de Zwickau”, esses são grupos pequenos e fragmentados, que têm pouca comunicação entre si. Atualmente a investigação sobre essa célula chegu à conclusão de que a rede de apoio em torno dela contava com não mais do que 20 pessoas. Normalmente trabalham em silêncio, procuram não chamar a atenção, mas disputam entre si a primazia dos atos mais violentos. Recrutam sobretudo jovens, e procuram vestir-se como os grupos anarquistas de esquerda – talvez também para não despertar a atenção. Há casos em que alguns deles participam de de demonstrações ostensivas, mas logo retornam à essa “sombra” cinzenta.

O que mais tem provocado perplexidade, no entanto, é que a ação de grupos como esse era sistematicamente subestimada tanto pelo Serviço de Inteligência quanto pelas polícias locais, e que não havia colaboração entre eles. Também está sob investigação a possibilidade de tais grupos terem colaboradores dentro do sistema policial, que lhes garantiam algum tipo de proteção e despistamento. A polícia e o BfV tiveram algumas oportunidades de prender o “trio central de Zwickau”, por exemplo. Mas não o fizeram, algumas vezes por negligência, outras por um “timing” errado nas ações, delatando-as antes que acontecessem ou chegando tarde demais.

Segundo a reportagem (baseando-se nos documentos do BfV), em 2010 foram regsitrados 15.905 crimes políticos de extrema-direita, 638 deles envolovendo ferimentos corporais. A noção de “crime” aqui vai, por exemplo, desde ataques xenófobos contra estrangeiros até a depredação ou profanação de sinagogas, ou propriedade de grupos visados, como turcos, muçulmanos, africanos, latinos, etc.

Outras pesquisas apontam que a violência de extrema direita foi responsável por 137 vítimas fatais de 1990 a 2009. Entretanto o BfV só resgistra, em seus autos, 47 vítimas, o que põe em discussão o conceito com que trabalha. Outras fontes chegam a apontar, nesse período, 182 mortes. Há uma dificuldade neste ponto. Por exemplo, recentemente um jovem morreu atropelado ao fugir de perseguidores de dentro de uma estação de metrô. O jovem era italiano de ascendência turca. Foi crime político? Foi assassinato culposo? Casos como esse, de difícil detecção e classificação, tem aumentado em cidades alemãs, inclusive em Berlim, levando a campanhas publicitárias preventivas.

Uma pesquisa feita pela Universidade Tecnológica de Chemnitz trouxe outros dados perturbadores. A pesquisa centrou-se em saber qual é a receptividade das ideias de extrema-direita. Ou seja, partiu da ideia de que, se é verdade que existe uma reprovação largamente majoritária de atos violentos, outra é a situação quando se discute a simpatia pelo caldo de cultura que levam esses grupos a justificar a sua violência. Foram feitas as seguintes perguntas, e os percentuais abaixo reproduzem a soma das respostas “concordo totalmente” e “concordo em grande parte”:

1) Os estrangeiros vêm para a Alemanha para aproveitar a seguridade social: 34,3%.

2) A Alemanha corre o risco de ser tomada pelos estrangeiros: 35,6%.

3) Se não fosse pelo Holocausto, Hitler teria sido um grande estadista: 10,7%.

4) O nazismo também tionha bons aspectos: 10,3%.

5) A Alemanha precisa de um líder de pulso firme, o que beneficiaria todos: 13,2%.

6) Os alemães de fato são superiores a outros povos: 13,3%.

Dois pontos merecem consideração. Primeiro, os autores da pesquisa apontaram que muitos dos pesquisados sabem “qual é a resposta politicamente correta” e se escondem por trás dela. Segundo, apesar desses números serem impressionantes, a Alemanha ainda é um dos países europeus em que a extrema-direita (indo além dos grupos terroristas ou de pregação neonazista) tem pouca expressão na política institucional, ao contrário de outros, como a Holanda, a Suíça, a Áustria, a Hungria e até mesmo a França.

Um outro dado preocupante apontado por pesquisadores do tema é a passividade que se vê na maioria das pessoas quando confrontadas com uma violência desse tipo. Não reagem, não manifestam solidariedade com a vítima, se escondem atrás de um muro de indiferença. Por isso as campanhas hoje se centram não apenas na condenação da violência em si, mas também da passividade diante dela.

De todo modo, não se deve esquecer que hoje a Alemanha não tem clima político, cultural ou econômico para um “nazi revival”, se me permitem a expressão. Há uma solidez democrática hoje no país, o que inclui, é claro, políticas e políticos do campo conservador, mas não reacionários ou de tendências fascistas.

Porém isso não exclui as preocupações com a segurança e com os danos – até mortíferos – que esses grupos extremados podem fazer. Como lembrou meu amigo Chico de Oliveira nos idos do atentado do Riocentro, ainda no governo Figueiredo, ao crepúsculo da ditadura, quando ainda não se sabia muito bem a extensão do que acontecera, “para fazer uma barbaridade, dois malucos e um carro bastam”. A “célula de Zwickau” é testemunha disso.