no exílio

Julian Assange sem internet: justo ou injusto?

'That’s the question', diria Hamlet. Uma questão de difícil resposta

David G Silvers/Cancillería del Ecuador

Julian Assange, do WikiLeaks, em seu exílio, na embaixada do Equador em Londres. Situação difícil

Vamos aos fatos. O site WikiLeaks vem derramando uma série de emails hackeados do arquivo de John Podesta, chefe de campanha de Hillary Clinton. Estes emails criaram uma série de constrangimentos para ela. Entre eles o de revelarem algumas palestras dela para banqueiros e financistas de Wall Street, o que pode contribuir para afastar eleitores mais à esquerda – sobretudo aqueles jovens que preferiram Bernie Sanders como candidato democrata. Há também emails com críticas à China, defesa de intervenção norte-americana secreta na Síria, afirmações consideradas deselegantes de assessores seus sobre católicos e outras revelações embaraçosas.

O caso levantou a suspeita – mantida por inúmeros democratas diretamente envolvidos na campanha, de que Julian Assange, desde a Embaixada do Equador em Londres, onde está asilado desde junho de 2012 – de que o diretor do WikiLeaks estaria empenhado na campanha eleitoral para prejudicar Clinton e favorecer Donald Trump.

Já antes o site divulgara emails trocados entre membros da direção do Partido Democrata que discutiam como favorecer Hillary contra Sanders, o que, de fato, era uma atitude inadequada, e que levou a presidenta do comitê à renúncia. Nota importante: o caso é diverso da divulgação anterior de violações quanto à segurança na internet, devido à mistura, por parte da hoje candidata, enquanto secretária de Estado (2009-2013), de informações oficiais com emails de conta particular. Agora, trata-se de um conjunto de mensagens de articulação de campanha eleitoral.

Os democratas concernidos avançam em suas denúncias, dizendo que o WikiLeaks obtém estas informações graças a hackers russos, vinculados a Vladimir Putin, que preferiria Trump a Hillary na presidência dos Estados Unidos. Assange protege suas fontes (o que é um direito seu), Putin afirma que é tudo fantasia e Trump vê nisto mais uma artimanha contra sua candidatura.

Assumindo que Assange estava interferindo em assuntos internos de outro país, a Embaixada do Equador cortou, desde segunda-feira passada (18), seu acesso à internet. Informou ainda que esse corte é temporário (talvez até a realização da eleição, o que o informe não esclarece). E também declarou que a medida não se choca com nem invalida a concessão do asilo, que está mantida.

Os críticos do corte afirmam, por sua vez, que ele foi feito a pedido do atual Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, o que ele e as autoridades equatorianas negam.

É conhecida a antipatia de Assange por Hillary. Isso se prende ao fato de que, quando Assange se viu na contingência de pedir asilo ao Equador, a Secretária de Estado era Clinton. Reavivemos a memória. Em meados de 2010 Assange foi a Estocolmo para dar palestras sobre as revelações do WikiLeaks sobre segredos da diplomacia norte-americana. Lá manteve relações sexuais com duas mulheres. Posteriormente elas alegaram que foram vítimas de violência sexual. Nos dois casos a acusação esteve ligada ao uso ou não de preservativo durante a relação. Em um deles, pelo menos, houve acusações de avanços que poderiam ser considerados como “forçados”. Assange negou as acusações.

Num primeiro momento, a promotora sueca encarregada de examinar o caso negou seu prosseguimento na justiça. Entretanto, algum tempo depois, outra promotora reabriu o caso, e como Assange já estava em Londres, pediu a sua extradição. Assange alegou que, se extraditado para a Suécia, esta poderia extraditá-lo para os Estados Unidos, onde poderia ser condenado a altas penas de prisão (por espionagem) ou até à morte. A justiça inglesa, no entanto, terminou por acolher o pedido. Em junho de 2012, na iminência de ser extraditado, Assange pediu asilo ao Equador, que o concedeu. Desde então Assange vive confinado no apartamento da Embaixada equatoriana, em 3, Hans Crescent, andar térreo, próximo da estação de metrô de Knightsbridge.

Há a suspeita de que, entre a primeira decisão da promotoria sueca e a segunda, houve interferência do governo norte-americano junto às autoridades suecas. Se for este o caso, a responsabilidade seria da atual candidata, Hillary Clinton, então a Secretária de Estado e como tal, responsável pela política externa dos Estados Unidos, junto com o presidente Barack Obama.

Isso explicaria a animosidade de Assange contra Clinton. Outra explicacão frequentemente dada é a de que, para ele, o maior perigo no mundo hoje seria o poderio de Washington, de que Clinton já é expoente e Trump ainda não. De qualquer modo, recentemente Assange se referiu a ambos os candidatos de modo bastante deselegante, comparando-os a doenças que um organismo poderia contrair (gonorreia e cólera morbus, sem explicar quem era qual).

Assange se defende dizendo que apenas faz seu papel de jornalista, e que não é porque há uma eleição nos Estados Unidos que ele vai deixar de fazê-lo. Considera natural que haja mais informações sobre Hillary do que sobre Trump porque ela já foi membro de governo e senadora e ele, não.

O caso é muito complexo, em meio a tantas afirmações e negações em um cenário internacional complicado. Envolve conceitos como liberdade de expressão, direito de asilo, direitos e deveres do asilado, responsabilidade do país que concede asilo, direitos humanos, dentre outros.

Confesso que, para mim, a consulta ao que está disponível na rede sobre direito de asilo, convenções da ONU, Convenção de Viena, foi inconclusiva. Em todo caso, o aspecto-chave da questão, quanto ao acesso à internet e a divulgação dos emails da campanha de Hillary, é o de se Assange, na sua condição de asilado na Embaixada, tem o direito a fazer esta divulgação, interferindo nos assuntos internos de outro país. Também o de se houve algum acordo prévio entre Assange e o governo equatoriano para a concessão do asilo.

Um dos aspectos mais complicados do caso é que, do ponto de vista técnico, Assange está em “asilo diplomático” na Embaixada do Equador, o que é diferente de “asilo territorial”, que seria o caso se ele estivesse no Equador. Segundo vários especialistas, o “asilo diplomático” só é reconhecido na América Latina. O Reino Unido não reconhece o “asilo diplomático” e por isto se nega a dar um salvo-conduto para que Assange deixe o país, dizendo que o prenderá (e portanto deportará) assim que ele puser o pé fora da Embaixada.

Num primeiro momento, o governo inglês chegou a ameaçar com a invasão da Embaixada. Entretanto recuou, depois da consideração de que, se a Convenção de Viena (da qual o Reino Unido é signatário) não reconhece universalmente o direito ao asilo diplomático, deixando para que os países o julguem ad hoc, ela reconhece a inviolabilidade das missões diplomáticas (embaixadas).

Há precedentes neste sentido, como o do cardeal húngaro Jozef Midzenty, que viveu asilado na Embaixada dos Estados Unidos em Budapeste de 1956 a 1971, quando foi autorizado a seguir para a Áustria, onde faleceu. Assim mesmo, especialistas que afirmam não ser o asilo diplomático um direito universal também afirmam que em casos excepcionais (como guerras civis, revoluções, golpes de estado) ele deveria ser reconhecido, bem como no caso de risco de vida ou de grave privação de direitos.

Um precedente negativo em favor destas alegações é o caso do ex-primeiro-ministro, também húngaro, Imre Nagy. Deposto pela invasão soviética de 1956, ele refugiou-se na Embaixada da Iugoslávia. Recebeu um salvo-conduto do novo governo húngaro, mas ao deixar a Embaixada foi preso pelos soviéticos, julgado e condenado à morte.

Estes mesmos analistas apontam que uma das dificuldades do caso de Assange é a ambiguidade das autoridades suecas, que se negam a dar garantias de que ele não será extraditado para os Estados Unidos.

O fio da meada deste rolo está, portanto, nas mãos das autoridades suecas. Se elas deixarem cair o pedido de extradição, Assange poderá sair da Embaixada, talvez respondendo apenas pela acusação, que certamente o governo inglês lhe fará, de ter rompido o acordo feito durante seu processo de extradição, de que ele o responderia em liberdade condicional e se apresentaria periodicamente a alguma autoridade policial.

Pode ser que o novelo (ou a novela…) venha a começar a ser desfiado a partir de 14 de novembro próximo. Neste dia está marcada uma audiência tríplice na Embaixada do Equador. Sob a presidência de um procurador equatoriano e diante da presença de membros da defesa de Assange, uma equipe de procuradores da Suécia o ouvirá.

Se a partir daí o caso for abandonado e o pedido de extradição também, o caso começará a ser resolvido. Difícil, mas não impossível.

Uma outra possibilidade seria a de uma eventual troca de governo, em que o conservador de Theresa May fosse substituído pelo trabalhista de Jeremy Corbyn. Assim mesmo haveria acertos a fazer com a justiça britânica. Acertos feitos, Assange poderia obter um salvo-conduto para ir até o aeroporto e voar para o Equador.

Uma coisa é certa: haja o que houver, Assange dificilmente ficará num “silêncio obsequioso”.