Gracias a La Negra

Sosa cantava quase sempre com sua 'caja' ao lado, o bumbo de som cavo característico da região andina, que tocava com primor.

Mercedes Sosa morreu no dia 4 de outubro (Foto: Wikicommons)

A voz de Mercedes Sosa se foi.

Se foi? Nada. Está aqui, do lado esquerdo do peito, como cantava seu parceiro Milton Nascimento, em outra canção.

Haydée Mercedes Sosa nasceu em 1935, em San Miguel de Tucumán, norte da Argentina, numa região mais próxima fisica e culturalmente dos Andes bolivianos e chilenos do que de Buenos Aires ou do pampa gauchesco.

Tornou-se uma das principais vozes do movimento latino-americano conhecido como “Nueva Canción”, surgido nos anos 50, alvancado nos anos 60 e tornado uma marca mundial dos anos 70 em diante. Este movimento tem seu similar e contemporâneo do Brasil, entre as canções dos anos 60, de Chico Buarque à Tropicália, e na “Protest Song” e na renovação das canções folclóricas nos Estados Unidos, com Pete Seeger, Bob Dylan e Joan Baez, entre muitos e muitas. Como Joan Baez, Mercedes Sosa tinha uma basta e lisa cabeleira negra, caracterísitca a que muito atribuíam o apelido: “La Negra”. Mas este também deve ter vindo da tez amorenada de sua pele, comum na região onde ela nasceu e cresceu.

Entre 1976 e 1982 Mercedes Sosa viveu exilada da Argentina, mas esse exílio deu alcance internacional à suas interpretações e à “Nueva Canción”.

Sua imagem ficará perenemente ligada às lutas pela justiça social e pela liberdade na América Latina e no mundo. Sua carreira conheceu alguns momentos de atividade menor ou quase nula, devido a problemas de depressão que ela mesmo reconheceu diversas vezes em público padecer.

Curiosamente, o dia de sua morte, 4 de outubro, é o dia de nascimento de uma das lideranças da “Nueva Canción”, a chilena Violeta Parra (1917 – 1967), que compôs dois de seus maiores sucessos: “Gracias a la vida” e “Volver a los 17”.

Tive a opotunidade (a graça, a bem dizer), de ver e ouvir Mercedes Sosa ao vivo algumas vezes. A que lembro com mais emoção foi sua presença no anfiteatro ao ar livre da Universidade de São Paulo, durante as lutas pela redemocratização do país.

Cantava quase sempre com sua “caja” ao lado, o bumbo de som cavo característico da região andina, que tocava com primor.

La Negra nos deixa seu legado de artista de incomparável beleza e notável compromisso com seu povo, o latino-americano, e sua alma de vocação e amplitude mundiais. Descance em paz, La Negra. Nós, os que ficamos, continuaremos sua guerra contra as inustiças, inspirados e inspiradas por teu exemplo. Gracias.