Duplo terror na Alemanha

Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos foram encontrados mortos em um trailer. Célula de extremadireita neonazi cometeu pelo menos dez assassinatos durante 10 anos (Foto:Reprodução/Wikipedia) Há o terrorismo. E o terrorismo […]

Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos foram encontrados mortos em um trailer. Célula de extremadireita neonazi cometeu pelo menos dez assassinatos durante 10 anos (Foto:Reprodução/Wikipedia)

Há o terrorismo. E o terrorismo do terrorismo, o meta-terrorismo. A Alemanha está aterrorizada diante dos dois.

O terrorismo: uma célula de extremadireita neonazi cometeu pelo menos dez assassinatos durante 10 anos, estando na clandestinidade desde 1998. Nunca foram incomodados, até este mês de novembro, quando foram descobertos.

O meta-terrorismo: analistas, comentaristas, deputados, investigadores são unânimes em afirmar que isso não seria possível sem a negligência dos órgãos de segurança e inteligência, ou até mesmo a colaboração por parte de alguns de seus membros.

A chanceler Angela Merkel qualificou o caso como “uma vergonha para a Alemanha”.

Os fatos recentes: no dia 4 de novembro dois homens encapuzados assaltaram um banco na cidade de Eisenach. Apesar das máscaras, foram identificados e cercados num trailer. O trailer pegou fogo. Os policiais encontraram os dois mortos, o dinheiro do roubo queimado. A versão oficial diz que os dois se mataram mutuamente, um atingido na cabeça o outro no peito. Motivo? Ainda desconhecido. Disputa? Suicídio a quatro mãos? Mistério.

Dentro do trailer, os policiais encontraram várias armas. Uma chamou a atenção: pertencia a uma jovem policial assassinada em 2007. Ela estava dentro de um carro, com um colega, que ficou gravemente ferido, mas sobreviveu. Motivo: até hoje, desconhecido.

No mesmo dia em que os dois (Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos) foram encontrados mortos, uma casa na cidade próxima de Zwickau explodiu e pegou fogo. A casa era ocupada pelos dois, mais uma mulher: Beate Zschäpe, que se entregou. Ela é acusada de ter provocado a explosão para destruir provas. Descobriu-se que os três, com ajuda de mais um suspeito, preso depois, “Holger G.”, compunham uma célula neonazi desde o começo dos anos 90. Tinham sido indiciados por isso, mas desapareceram. A polícia encontrou ainda um vídeo no trailer onde os dois praticamente confessavam (o vídeo é uma pequena ficção envolvendo a Pantera Cor de Rosa) o assassinato de nove imigrantes, oito turcos e um grego, donos de pequenos negócios (bistrôs, internet café), em várias cidades alemãs.

O caldo começou a engrossar. O progresso das investigações mostrou que um agente do serviço secreto regional estava presente a um desses assassinatos, o de um comerciante turco no seu internet café. Esse agente era conhecido por suas idéias de extrema-direita e apelidade de “Pequeno Adolfo” (alusão a Adolf Hitler). Ele (ou outro agente) é suspeito de ter estado presente em seis dos nove asassinatos de imigrantes.

Encontrou-se ainda material que ligava o trio/quarteto a atentados com bombas de fragmentação (essas cheias de pregos e rebites de metal) em bairros de imigrantes de Düsseldorf e Colônia, deixando mais de 30 feridos. Também foram responsáveis por 14 assaltos a banco durante esse tempo todo. O grupo se identificava como um movimento “National Sozialist Untergrund”.

São suspeitos de terem matado com uma facada um chefe de polícia da Baviera que investigava atividades de extrema-direita em 2008. Tinham em seu poder uma lista com 88 nomes de políticos (entre eles deputados do Reichstag) cuja finalidade ainda é desconhecida. Mas o número 88 é simbólico, pois remete a “HH” (H é a oitava letra do alfabeto), iniciais da expressão nazista “Heil Hitler”.

Todas as autoridades envolvidas sempre negaram a hipótese de atos terroristas de extrema-direita. A polícia sempre falou, no caso dos imigrantes mortos, em uma “máfia turca”, que nunca foi encontrada. O caso da policial (morta na cidade de Heilbronn) permanecia sem solução. A polícia criou uma “Operação Bósforo” (nome do estreito que separa a Ásia da Europa na cidade turca de Istambul) para investigar o caso. Durante 11 anos 160 policiais vasculharam a vida de 11 mil suspeitos, sem resultado.

Agora o caso veio à tona. Como resultado, não só o grupo (originário da cidade de Jena) está sob investigação. Os serviços secretos – nacional e regionais – e a polícia também estão no foco. Como todos os mortos (com exceção dos policiais) eram comerciantes, suspeita-se também de um esquema de extorsão.

As perguntas se avolumam: o que aconteceu no trailer? Por que a mulher se entregou? Há outros envolvidos, dentro e fora dos órgãos de segurança e investigação? O que levou esses órgãos a negarem sistematicamente o terrorismo de direita, quando as evidências se acumulavam? Será apenas a obsessão com o possível terrorismo de esquerda ou islâmico, que varreu a Europa toda?

Teme-se que a descoberta do grupo provoque uma nova onda de ataques “em solidariedade”. Na madrugada de quarta para quinta desta semana um africano foi vítima de um ataque por quatro homens armados com tacos de beisebol numa estação de metrô de Berlim (Lichtenfeld) onde essa violência é comum. Existe até um comunicado de embaixadas africanas e do Haiti desaconselhando seus cidadãos de andarem por esta estação e outras na cidade.

Certamente, vai haver uma devassa nos órgãos de segurança. Esperemos que com resultados concretos e urgentes.