Bombas no metrô de Moscou.

Policial do Ministério do Interior russo monta guarda em frente à saída da estação de metrô Lubyanka, em Moscou, onde duas mulheres-bomba mataram pelo menos 37 e feriram 65 (Foto: […]

Policial do Ministério do Interior russo monta guarda em frente à saída da estação de metrô Lubyanka, em Moscou, onde duas mulheres-bomba mataram pelo menos 37 e feriram 65 (Foto: Mikhail Voskresensky/Reuters, © Thomson Reuters 2010. All rights reserved)

 

Eu já preparava duas ou três alternativas para o post de hoje: discussão que assisti ontem na TV alemã sobre adoção ou não de um salário mínimo; o aprofundamento do escândalo da pedofilia na Igreja Católica e as desculpas ou frases esfarrapadas de Bento XVI; a perspectiva de um novo acordo para diminuição de ogivas nucleares montadas entre Barack Obama e Medvedev (presidentes dos EUA e da Rússia). Outros assuntos permaneciam na espera, aguardando maiores informações: a prisão de um hacker pelo FBI, que teria invadido até contas pessoais do presidente Obama, mas sem tirar proveito próprio, só, assim, “para deixar a sua marca”, como um grafiteiro da internet; as aventuras e as desventuras no Euro nas crises grega e a próxima de Portugal e Espanha.

Nisso, duas bombas explodiram no meu post. Na verdade, explodiram, como se vê pelo noticiário, do metrô de Moscou. Já havia outras bombas vindas do fim de semana. Duas explodiram (para variar) no Afeganistão, matando seis civis e ferindo cinco crianças. Outra explodiu em Atenas, matando um menino afegão de quinze anos e ferindo gravemente uma menina. Em Atenas, houve uma novidade: em geral os grupos que colocam bombas na Grécia avisam a polícia, que pode assim desarma-las ou evacuar a área. Desta vez não houve aviso. O que isso quer dizer? Não se sabe.

Mas as bombas de Moscou foram especialmente violentas, se é que o advérbio se aplica a esse tipo de ação e adjetivo. Entre as desencontradas notícias, pode-se estabelecer o seguinte:

  1. Foram bombas detonadas por diferentes suicidas. Segundo o prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov, citando fontes dos órgãos de segurança, ambas as suicidas eram mulheres. Foram identificadas pelos restos encontrados. Mulheres suicidas não são estranhas nesse tipo de ataque na Rússia. Algumas, conhecidas pela alcunha de “Viúvas Negras”, já tinham participado em ações anteriores, como no Teatro de Moscou e em províncias separatistas na região do Cáucaso.
  2. A primeira bomba explodiu às 10 para as 8 da manhã, na estação de Lubyanka, debaixo da sede da antiga KGB, hoje Serviço Federal de Segurança. A segunda, às 8: 35, na estação de Park Kultury. A primeira matou pelo menos 23 pessoas; a segunda, pelo menos 12. Pelo menos 51 pessoas ficaram gravemente feridas. Posteriormente, com a morte de alguns dos feridos, o número de vítimas fatais chegou a 38.
  3. Os danos materiais foram pequenos. As estações seriam reabertas na segunda mesmo. Isso, mais o fato das explosões terem ocorrido dentro dos vagões, em hora do rush de ida para o trabalho, mostra que o objetivo de ambas era mesmo matar o maior número de gente possível.
  4. O metrô de Moscou é dos mais concorridos do mundo: 7 milhões de passageiros/dia (duas vezes a população de Berlim; igual à população somada das regiões metropolitanas de Porto Alegre e Curitiba; o metrô de S. Paulo carrega 2 milhões de passageiros/dia). Isso também aponta para a decisão de matar muita gente, como alvo do ataque.
  5. A preparação e coordenação de um ataque desse tipo mostram um longo e cuidadoso planejamento. O ataque também faz parte de uma série perpetrada no metrô de Moscou. Até então o mais grave tinha sido em 2004, com 39 mortos. Além disso, houve ataques semelhantes, suicidas ou não, em escolas, teatros, trens em Moscou e em outras partes da Rússia.
  6. É claro que todas as atenções voltaram-se inicialmente para a Chechênia, província russa onde um movimento separatista há anos enfrenta o governo de Moscou, com lances violentíssimos de parte a parte. Entretanto, num segundo momento, considera-se a possibilidade que os ataques tenham sido organizados por grupos também separatistas das repúblicas vizinhas, também na região do Cáucaso, entre o Mar Negro e o Mar Cáspio: a Inguchétia (também chamada de Ingúchia) e o Daguestão. Essa região é uma das mais pobres da Rússia e ao mesmo tempo uma das mais ricas em petróleo. Além disso ela é vital para o transporte de gás da Rússia para a Europa. Isso ajuda a entender o potencial explosivo da região, mais o fato de que o governo de Moscou não pretende abrir mão do controle sobre ela, o que significaria sua absorção pela OTAN.
  7. Há também razões históricas para o conflito. Opostos ao Exército Vermelho depois da Revolução de 1917, vários setores dessas populações foram acusados de colaborar com o Exército Branco e com as tropas ocidentais que tentaram sufocar o movimento revolucionário. Também foram acusados de colaborarem com as tropas nazistas durante a Segunda Guerra. Houve deportações em massa na região, com resultados funestos em termos de número de mortos, fosse por violência direta ou doenças.
  8. Tudo isso aponta para a previsão de que esse tipo de violência vai continuar. Num alerta que dá bem o peso da situação, o presidente Medvedev lançou uma conclamação para que o terrorismo seja combatido com rigor, mas “respeitando os direitos humanos” nas ações do Exército e da Polícia.

Um comentário final. Estamos acostumados (nós brasileiros) às menções a uma “guerra civil” (seja caracterizada como for: conflitos sociais, banditismo, etc.) em nossas cidades, trazendo insegurança, medo, ódio, desesperança, etc. Diante disso, por vezes essas terras européias nos aparecem pintadas por uma aura de paz, concórdia e bem-estar. A realidade é bem outra. O risco de se deparar com um desatino desses, como o que aconteceu em Moscou (e já houve em Madri, Londres e outras cidades) é palpável e amedronta, insufla ódios e preconceitos, serve de justificativa para políticas discriminatórias contra estrangeiros, muçulmanos, tudo e todos, enfim, que pareçam “estranhos”. Os tempos de crise financeira, econômica e no mercado de trabalho só engrossam esse conturbado caldo de cultura.