A Europa e um vácuo chamado Chipre

Manifestantes protestam contra ‘austeridade’ imposta para sanar crise do mercado financeiro. Vítima da vez é o Chipre (CC/ @Popicinio) A República do Chipre detém 0,2% da economia da Zona do […]

Manifestantes protestam contra ‘austeridade’ imposta para sanar crise do mercado financeiro. Vítima da vez é o Chipre (CC/ @Popicinio)

A República do Chipre detém 0,2% da economia da Zona do Euro. Na última década este pequeno país – que ocupa dois terços da ilha no Mediterrâneo (o outro terço é ocupado por uma hipotética República Turca de Chipre, só reconhecida pela Turquia e alguns países muçulmanos) – tornou-se uma meca para oligarcas russos e de outros países da Europa, graças a seu imposto de renda, linear, de 10%, além de outras vantagens financeiras.

Mas os capitais são voláteis – e a partir de maio do ano passado ficou claro que o sistema financeiro da república entraria em colapso em pouco tempo. Também ficou claro que o governo cipriota não tinha condições de salvar o sistema. Daí foi feito um pedido às autoridades da Zona do Euro, de 17 bilhões de euros vindos do Fundo Europeu de Estabilidade, que já ajudou Grécia, Irlanda, Portugal e está prestes a ajudar a Espanha e talvez a Itália, com o respectivo endurecimento dos “planos de austeridade”.

No último fim de semana os ministros de finanças da Zona do Euro traçaram um acordo com o governo de Nicósia (a capital): o Fundo daria 10 bilhões de euros, o governo pouparia 1,2 bilhões com a “austeridade”, e os restantes 5,8 bilhões viriam de um imposto único – confisco puro e simples – de 6,75% sobre os depósitos até 100 mil euros e 9,9% sobre os acima deste valor. Tudo se justificava sobre dois argumentos considerados “poderosos”: o “imposto” recairia sobre os investidores russos, considerados genericamente como “lavadores” de dinheiro; além disso, obrigaria os “beneficiários” do acordo a contribuir, aliviando o peso financeiro e moral colocado sobre os ombros dos “contribuintes europeus”. 

Porém… Faltou combinar com os correntistas de Chipre. Estes se mobilizaram rapidamente, a partir de segunda-feira, exigindo a rejeição do acordo. Ao mesmo tempo, o governo britânico anunciou que deixaria de usar os bancos cipriotas para pagar os soldos de seu pessoal militar estacionado na ilha, e enviou um milhão de euros para tais pagamentos, em notas pequenas, embaladas num avião especial – o colchão tornava-se mais seguro do que os bancos.

Uma onda de adrenalina varreu a Europa. Correntistas na Espanha e na Itália ameaçaram uma corrida aos bancos, temendo por seus fundos. As ações de bancos – inclusive na poderosa Alemanha – despencaram. À onda. seguiu-se uma de descrédito. Uma das regras de ouro da União Europeia e da Zona do Euro é a garantia de depósitos bancários até 100 mil euros, em caso de insolvência do bancos. Apesar das autoridades jurarem que não estavam violando este princípio, pois os bancos ainda não tinham quebrado, ninguém levou a sério o argumento.

O resultado foi que, na terça-feira, o parlamento cipriota rejeitou o acordo, por 36 votos contrários, 19 abstenções (um deputado ausente). E a Europa inteira entrou num vácuo, parecido com aqueles em que os aviões caem em queda livre.

Os ortodoxos de todos os matizes apontam a “loucura cipriota” e pedem que as autoridades financeiras e outras não afrouxem diante dela. O FMI – sempre mais progressista do que a UE – pede que os depósitos até 100 mil euros sejam poupados. A proposta desagrada àqueles – mas também o governo russo, pois seus oligarcas são poderosos e poderiam causar problemas ao Kremlin caso se sintam desamparados.

Boatos cortam os ares, entre eles o de que Chipre seria o primeiro país a deixar o euro, ou que a Rússia estaria projetando um empréstimo ou outra forma (como um depósito de sua companhia de gás nos bancos cipriotas) de ajuda a Chipre. A contrapartida seria o controle sobre as reservas de gás do país.

O governo alemão – principal incentivador da proposta de confisco, ainda que seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble jure que não visava os depósitos abaixo de 100 mil euros – está de prontidão. Há alarme em Bruxelas e Frankfurt. Todos brandem a afirmação de que o confisco em Chipre é um caso único, que não se repetirá. Quase ninguém acredita.

O presidente, Nicos Anastasíades, está em estreito contato com seus ministros e com parlamentares, visando delinear um plano B, talvez C ou Z, ninguém ainda sabe. Todos os lados falam em chantagem: os ortodoxos dizem que os cidadãos cipriotas, aliados aos oligarcas russos, estão chantageando a UE e a Zona do Euro; os cidadãos reagem, dizendo que Frankfurt, Bruxelas e Berlim estão chantageando Chipre.

Os bancos cipriotas estão fechados até quinta-feira, e as transações eletrônicas, proibidas. Talvez os bancos fechem por mais tempo. Não se sabe. Aguardam-se os acontecimentos. A Europa está no vácuo, embora tudo pareça absolutamente normal.

Foi-se o tempo em que, ao vir do Brasil para cá, tinha-se a impressão de ter saído de uma zona de turbulência para entrar num céu de brigadeiro. Agora é o contrário: apesar de todos os problemas do nosso país, a impressão que fica é a de que se deixa um mar de tranqüilidade para cair no olho de um furacão.