Afropanamericana

Blog do Secador – Na Copa do Atlântico Sul, colonizador não tem vez

Com suas reviravoltas, torneio no Brasil consagra o secador. Supostas zebras, na verdade, têm alvos certos

Marcelo Sayão/EFE

Espanhóis posicionam-se à espera de um empurrãozinho pra voltar pra casa

Meus amigos, meus caríssimos amigos.

Ah! Como estou de bom humor! Quando os meninos do Futepoca me convidaram para reeditar essa coluna (a primeira vez foi na copa passada), esta coluna na qual eles me chamam de “o secador” (porque isso é ideia deles), jamais poderia imaginar que minha tarefa seria tão, digamos, suave. Esta Copa deixa a vida do secador fácil demais!

Estou com a saborosa impressão de me tornar desnecessário. Nada mais gratificante para um velho. Às vezes, penso no meu amigo Pepe Mujica, a quem conheci em circunstâncias talvez mais comoventes, mas, sem dúvida, bem menos admiráveis que agora. Hoje, a cristandade universal se encanta em vê-lo ir trabalhar de fusca e abrir o palácio para a gente de rua no inverno… Que diriam se o vissem nos nossos tempo da guerrilha?

Em breve, Mujica também não será mais necessário e pode ser que ele venha jogar palitinho comigo no bar do Washington. Estou bem humorado e otimista!

E como poderia ser diferente? Em duas rodadas de Copa do Mundo no Brasil, já excluímos as arrogantes e aristocráticas Inglaterra e Espanha. Com requintes de ironia: Espanha caiu no dia que o novo reizinho assumiu. Não posso me aguentar de tanto rir com o que o Fernandinho Morais escreveu: “Felipe VI, o pé quente.”

E a Inglaterra também, indiretamente, nos proporcionou um tapa de luva de pelica da história. Não foi o Balotelli que pediu um beijo para a rainha caso ganhasse da Costa Rica e mantivesse a esperança matemática de classificação britânica? Faltou combinar com os costarriquenhos, hahaha.

A própria Itália está agora em situação difícil. Apostaria uma porção de ovos de codorna que o Uruguai vai mandá-los pra casa mais cedo. Na verdade, a pá de cal já foi jogada: Mick Jagger declarou que os carcamanos vão ser campeões.

Se Portugal se curvar diante de Gana – no que aposto, pois os lusos estão botando os bofes pra fora de tão mal preparados fisicamente – vamos ter a Copa mais politizada da história, no melhor sentido da palavra. Não a Copa de Mussolini de 1934 ou a Copa dos generais sanguinários vizinhos de 1978. Uma Copa na qual colonizador não tem vez. E uma segunda fase com Brasil, México, Costa Rica, Uruguai, Chile, Colômbia, Argentina, Costa do Marfim, Gana (que tratará de excluir os yankees, nossos diletos colonizadores contemporâneos), Equador, Nigéria e Argélia. E mais uns europeus que restem por méritos e não por arranjos: Alemanha, Holanda, França e Bélgica.

A Bélgica nem deveria estar na Europa, não deveria estar em lugar nenhum. É um país dividido ao meio, com uma fratura de identidade. Tanto que ficaram mais de um ano sem governo central e tudo bem! A França do futebol é também um país em ebulição interna. Depois da aposentadoria do maior craque, Zidane, agora é Benzema – que não canta a Marselhesa nem a pau – que ocupa o coração francês de sangue argelino. Criou um aparelho revolucionário dentro do Estado. Coisa fina.

A Holanda é outro país que nem deveria ser chamada de Europa, eles não envelhecem. Desde Erasmo, os caras estão pirando por lá, para o constrangimento das senhoras católicas de Portugal, Espanha, França e Itália. E a Alemanha… Bom, eles são casca grossa. Se alguém tinha que passar, seriam os caras mesmo.

Que a Copa no Brasil, incensada como a “copa das copas” só porque entendemos um pouquinho de como se recebe um visitante e como se faz uma festa, o que pra nós não é mais que a obrigação, possa recuperar o sentido de atualização geopolítica que esse simulacro da guerra sempre tem.

O Brasil fará a copa anticolonialista. Já está fazendo.

Fico por aqui. Senão, daqui a pouco vão me acusar de nacionalista. Não sou. Nada mais ridículo do que esses jogadores chorando ao ouvir o hino e aí pode ser de qualquer país. O que eu vejo é uma ocupação afropanamericana da Copa do Atlântico Sul, com a exclusão no campo de batalha daqueles que historicamente sufocaram a plena realização dos seres humanos abaixo da linha do Equador.

***

Blog do Secador é uma coluna enviada por Abinadauto, comunista das antigas e perseguido político da ditadura. De tão clandestino, preferiu não abrir mão do codinome usado nos tempos duros. Ele jura que não guarda mágoas do futebol, descarrega todas ali, durante a transmissão dos jogos.