Fórum deve ter agenda de ação de consenso, defende Felício

Mais que espaço aberto, secretário de relações internacionais da CUT acredita que é possível alcançar pauta comum aos movimentos. Pontos de divergência ficariam de lado

O Fórum Social Mundial como espaço de reflexão pode, com o tempo, se esvaziar e perder a importância que teve para os movimentos sociais desde 2001. Segundo o secretário de relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício, a entidade vai defender, no evento da região metropolitana de Porto Alegre (RS), uma agenda de movimentos unificada, em que apenas itens de consenso fossem incluídas.

“O Fórum foi uma das mais brilhantes ideias que surgiram no mundo no que se refere à unidade dos movimentos sociais”, resume Felício. “Mas não podemos perder a oportunidade de ter um espaço tão abrangente e representativo sem conseguir tirar ações concretas a partir da qual todos possam atuar”, pondera.

O tema deve ser um dos pontos de batidos a partir desta segunda-feira (25) até sexta (29), no FSM 10 anos, o primeiro de 27 encontros temáticos e regionais realizado em 2010. A sequência é preparatória para o Fórum de Dacar, no próximo ano.

Entrevista

João Felício

secretário de relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Ele acredita que o FSM foi fundamental para fortalecer movimentos sociais, que tiveram papel de protagonismo na eleição de governos identificados com setores progressistas, especialmente na América Latina.

RBA – Qual balanço a CUT faz dos dez anos do FSM?

Roberto Felício – O Fórum foi uma das mais brilhantes ideias que surgiram no mundo no que se refere à unidade dos movimentos sociais. O movimento sindical, de camponeses, de mulheres, de negros, ambientalistas e todos os que discordavam da organização da economia e dos Estados nacionais tinham seus encontros, ainda que internacionais, mas era cada um na sua. Com o Fórum, até que enfim, passamos a ter um espaço em que todos estamos juntos para discutir temas candentes. Não conheço na história do século XX – e menos ainda em períodos passados – um espaço tão representativo e forte dos que pensam um mundo diferente.

“Hoje é inegável a importância que os movimentos sociais tiveram na consolidação da democracia, especialmente na América Latina, na eleição de governos do campo democrático-popular. Compare com o que éramos há dez anos e o que somos hoje.” – João Felício, secretário de relações internacionais da CUT

Nos dez anos, se analisarmos os debates iniciais e o que tem ocorrido no mundo, não tenho receio de dizer que mais acertamos do que erramos. Desde o primeiro, sempre questionamos a forma de desenvolvimento sem nenhum respeito à natureza e hoje está provado que tínhamos muito mais razão. Governos falam hoje em desenvolvimento sustentável, coisa que os movimentos sociais falavam há muito tempo. Debatíamos o perigo da financeirização da riqueza, com mais importância do que o capital produtivo. Discutíamos a total ausência de controle dos organismos internacionais e dos governos sobre o setor financeiro, e temos a crise. Além de questões específicas de cada segmento.

RBA – Que resultados foram conquistados?

Hoje é inegável a importância que os movimentos sociais tiveram na consolidação da democracia, especialmente na América Latina, na eleição de governos do campo democrático-popular. Na eleição do Evo Morales na Bolívia, de Rafael Correa no Equador, de Fernando Lugo no Paraguai. Compare com o que éramos há dez anos e o que somos hoje. No Brasil, os movimentos sempre foram muito fortes. Tínhamos uma central como a CUT, o MST, o movimento de mulheres. Ao juntar todos os movimentos, o Fórum contribuiu para que se tornassem interlocutores válidos em seus respectivos países. A presença no cenário político internacional é muito mais forte do que era. Quando você tem um espaço que ajuda, você se sente forte, encontra centenas de movimentos.

RBA – Que desafios são colocados para o Fórum a partir de agora?

“Perdemos uma oportunidade no Fórum de Belém de tirar ações mais concretas. Todos têm a mesma análise sobre a origem da crise, os responsáveis por ela.” – João Felício, secretário de relações internacionais da CUT

O que nós, da CUT, achamos que falta é uma agenda comum no que se refere à ação. Todos nós refletimos sobre os problemas do mundo de forma muito parecida. Não tem havido divergência substancial entre ONGs e movimentos no que se refere à análise do mundo. Mas na hora de discutir ações unitárias, tem mais dificuldade. Seria bom se pudéssemos, nos próximos fóruns, tirar ações assumidas e que pudessem ser implantadas por todos. Só consensuais, sem impor nem centralizar em função de uma suposta maioria contra uma minoria. Mas não podemos perder a oportunidade de ter um espaço tão abrangente e representativo sem conseguir tirar ações concretas a partir da qual todos possam atuar.

A crise é um exemplo. Perdemos uma oportunidade no Fórum de Belém de tirar ações mais concretas. Todos têm a mesma análise sobre a origem da crise, os responsáveis por ela. Pode ter divergência em determinados temas, e se não houver consenso, não faria parte dessa agenda. Ao debater que tipo de sociedade se quer, um acha que é o socialismo, outro a social-democracia, outro a ditadura do proletariado (risos). Mas tem tanta coisa unitária sobre ambiente, necessidade de controle do capital financeiro, paz mundial, contra a guerra, direitos humanos, trabalhistas, de igualdade… Todos os movimentos defendem desenvolvimento sustentável, mesmo que tenham divergências sobre o que isso quer dizer, mas podemos discutir. Os movimentos que participam tiram sua plataforma. Fazemos uma assembleia de movimentos no fim do fórum, mas ter a possibilidade de, em um dia, (estar) todo mundo junto, seria um grande desafio pelo que é consensual.

É polêmico, mas vamos puxar a discussão. Senão, temo que o Fórum possa se esvaziar, apenas um grande espaço de reflexão. Nós, do movimento sindical, estamos acostumados a refletir, analisar a conjuntura e, depois, fazer uma ação. Pode ser uma greve, uma caminhada, um ato público. Mesmo que outros movimentos façam isso, será que não podemos fazer isso conjuntamente? Por exemplo, dias de protestos mundiais, com passeatas. No dia 7 de outubro, o movimento sindical vai às ruas nos últimos dois anos reivindicar trabalho decente. Será que não é possível que todos os movimentos abraçassem? Ninguém é contra. Pela paz no mundo, contra a intervenção militar, por desenvolvimento sustentável. São temas que unificam. Sei que não é fácil fazer, mas sem construir e puxar a discussão, a resistência fica dividida.