Clima e desigualdade

Sem água e abrigo, pessoas em situação de rua enfrentam desafios extremos em meio a onda de calor

Mais de 60% das pessoas que vivem nas ruas brasileiras estão em estados com risco extremo para os próximos dias

Juliana Marotta
Juliana Marotta
Entre os 25 mil moradores de rua estimados para a cidade de SP, pelo menos mil são crianças

São Paulo – O Brasil pode viver nos próximos dias a maior onda de calor da história, com temperaturas superiores a 42º C e mais de mil municípios em estado de alerta para grande perigo, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Para a população em situação de rua, o cenário se soma aos desafios diários de sobrevivência. Sem acesso a hidratação e abrigo esse grupo está sujeito às piores consequências das condições térmicas extremas, que podem levar, inclusive, à morte. 

Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Brasil tem hoje mais de 230 mil cidadãos e cidadãs sem moradia, vivendo nas ruas. A região Sudeste, que está na lista dos alertas meteorológicos para os próximos dias, concentra 62% dessas pessoas, um total de 138 mil. 

No Centro-Oeste, que também enfrenta temperaturas altíssimas, o número de pessoas em situação de rua é bem menor, soma 14,8 mil. Ainda assim, os estados da região presenciaram um aumento expressivo desses grupos nos últimos anos. Entre 2016 e 2023 o número de pessoas que vivem nessa condição escalou quase cinco vezes. 

Em algumas cidades de São Paulo, incluindo a capital, o governo montou estruturas com água, ambulâncias e acolhida desde que que começaram os eventos climáticos de calor extremo em setembro. No entanto, não há registros de ação em outras unidades da federação e mesmo no estado paulista, as políticas não são suficientes. 

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O padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, afirma que o acesso à água potável, um dos bens mais escassos para as famílias que moram nas ruas do Brasil, é essencial, mas não é a única medida a ser aplicada. 

“As mudanças climáticas e o calor excessivo castigam de maneira muito forte a população em situação de rua. Por isso, solicitamos e a prefeitura instalou as tendas de altas temperaturas, onde nós pedimos que sejam colocados água, frutas e kit de proteção, como o boné. Mas o número de tendas não é suficiente, precisaríamos ter mais, principalmente em áreas que ficam sem nenhuma estrutura de proteção.” 

Previsão 

A onda de calor deve durar pelo menos até o fim da semana que vem. Segundo a MetSul Meteorologia, existe “alta probabilidade de quebra de recordes”. 

Mesmo em locais que costumam apresentar tempo quente com mais frequência e intensidade, o clima deve surpreender. A MetSul Meteorologia projeta temperaturas máximas “muito fora do comum, com marcas 10ºC a 15ºC acima da climatologia histórica em algumas tardes”. 

De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as altas temperaturas vão afetar principalmente as regiões Centro-Oeste e Sudeste, com destaque para os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal.

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Em algumas cidades o fenômeno pode se estender por até quinze dias. O alerta da MetSul explica que essas regiões poderão presenciar massas de ar quente com temperaturas acima de 30 graus, o que se assemelha aos registros de algumas das regiões mais quentes do mundo. 

“Valores acima de 30ºC acompanham massas de ar extraordinariamente fortes e que normalmente são vistas durante calor extremo no Sudoeste dos Estados Unidos ou no Oriente Médio”, destacou o texto dos meteorologistas, reforçando que essas condições raramente são registradas no Brasil. 

Baixa umidade e fortes ventos

Já neste fim de semana, segundo o Inmet, sete estados das regiões Centro-Oeste e Sudeste do país entraram em alerta máximo pela onda de calor, com temperaturas que podem chegar aos 44 Cº.

A onda de calor vem acompanhada também de alertas laranja (“perigo”) e amarelo (“perigo potencial”) de baixa humidade para 15 estados nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e interior do Sudeste e Nordeste. Nessas regiões, a umidade relativa do ar pode chegar a 12%.  

Para o Sul, o alerta é para as tempestades que atingem a região trazidas por uma frente fria, com chuvas intensas e ventos de até 100km/h. Também há possibilidade de queda de granizo e risco de cortes no fornecimento de energia elétrica, estragos em plantações, queda de árvores e alagamentos.  

Perigos e cuidados 

Para evitar casos de insolação e desidratação, em razão das temperaturas elevadas e da baixa umidade do ar, os cuidados devem ser redobrados.

Nos dois casos, os sintomas são parecidos: dores de cabeça, tontura, náusea, pele quente e seca, câimbras, pulso rápido, temperatura elevada, distúrbios visuais e confusão mental. Ao apresentar esses sinais, a pessoa deve solicitar ajuda, tentar refrescar o corpo em local protegido do sol e, se possível, colocar os pés para o alto.  

Nesses dias de calor extremo, especialistas aconselham ingerir bastante líquido; comer frutas, legumes e vegetais; usar soro para hidratar nariz e olhos; utilizar protetor solar e vestir roupas leves, além de manter os ambientes ventilados.  

Idosos 

Os cuidados devem ser redobrados com os idosos, mais vulneráveis à desidratação nas altas temperaturas. Neles, o calor extremo pode provocar sintomas que vão desde confusão mental, agitação, prostração, tonturas e quedas, até efeitos na pele, como maior flacidez ou aparência ressecada, e nas mucosas, que também ressecam e podem ficar descoradas.  

Para esses casos, a indicação é a de procurar atendimento nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs) ou Unidades Básicas de Saúde (UBSs), para passar por avaliação médica que decidirá se a hidratação deve ser intravenosa ou pode ser feita em casa. 

Com informações do Brasil de Fato e Agência Brasil

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