Encontro histórico

Natal com catadores: ‘Sou eu que tenho que vir até vocês’, diz Lula

Pelo 19º ano consecutivo, Lula participou da tradicional ceia de natal com catadores de materiais recicláveis em São Paulo e se emocionou ao dizer que trará futuros ministros para conhecer a realidade das ruas. “Sou eu, presidente da República, que tenho que vir até vocês”

TV PT/YouTube/Reprodução
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"Sou eu, presidente da República, que tenho que vir até vocês para que a gente possa conversar e tentar encontrar uma solução definitiva", destacou Lula

São Paulo – O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prometeu voltar a São Paulo após a sua posse, em 1º de janeiro, para mostrar a realidade da população em situação de rua e dos catadores de materiais recicláveis da cidade aos ministros de seu terceiro governo. Assim como fez ainda em seu primeiro mandato no Executivo, em 2003, quando levou os recém-empossados para o interior do país, Lula afirmou que é preciso que os ministros escolhidos “percebam que governar o Brasil não é apenas para atender pessoas que têm condições de procurar a gente”. 

A promessa foi anunciada em uma fala emocionada do futuro presidente que participou nesta quinta-feira (15) da tradicional ceia de Natal dos catadores de materiais recicláveis e da população em situação de rua, organizada pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e o Movimento Nacional da População em Situação de Rua, em São Paulo.

“O povo pobre, o povo de rua, os catadores e tantos outros milhões de brasileiros não têm como chegar até o governo. Às vezes não chegam ao prefeito, ao governador e muitos menos ao presidente da República. E eu quero assumir o compromisso com vocês de que não serão vocês que terão que ir até o presidente da República. Sou eu, presidente da República, que tenho que vir até vocês para que a gente possa conversar e tentar encontrar uma solução definitiva para os moradores de rua e as pessoas mais humildes deste país”, afirmou Lula com a voz embargada pelo choro. 

Com os catadores desde 2003

Esse é o 19º ano seguido que Lula participa do natal dos catadores, acompanhado por ele desde 2003, em seu primeiro mandato presidencial. Em 2006, os trabalhadores ainda protagonizaram uma marcha na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O ato marcou a primeira vez que a categoria foi recebida no Palácio do Planalto por um chefe de Estado. Lula ponderou, contudo, que a partir do próximo ano se inicia uma nova jornada, dessa vez de reconstrução.

“Eu sei a falta de respeito com que vocês foram tratados nos últimos anos. Da falta de ajuda e compreensão de muitos prefeito no Brasil com o trabalho de vocês. Sei da tentativa de facilitar que empresários ocupassem o lugar de vocês. E nós ainda temos que conversar muito”, comentou o petista. A ideia, segundo ele, é que o encontro após a posse seja organizado pelo padre Júlio Lancellotti, que também acompanhou o evento natalino nesta quinta e foi condecorado com o selo Amigos dos Catadores 2022. 

Diante da população de rua e dos catadores, Lula destacou que eles terão que ter seus direitos à dignidade e à moradia respeitados. E aproveitou para fazer críticas às gestões municipais e estaduais que “tiraram deles o direito de ser tratados como seres humanos”. Sem citar nomes, o presidente se mostrou espantado com a quantidade de pessoas em situação de rua na cidade mais rica do país. Segundo censo da prefeitura de São Paulo, sob o comando de Ricardo Nunes (MDB), são quase 32 mil sem-teto na capital. 

Críticas ao descaso de gestores

De acordo com padre Júlio, que dedica a vida ao acolhimento dessa população, o dado, no entanto, é subnotificado. E haveria hoje mais de 42 mil pessoas nas ruas. Para Lula, São Paulo, por ser a maior cidade da América Latina e a mais rica do país, poderia oferecer melhores condições à sua população. “E na verdade não”, contestou o petista. 

“Não é possível que se juntar o prefeito, o governador e o presidente da República, a gente não tenha a capacidade de olhar esse povo não como números, mas como seres humanos que precisam ser tratados com o mesmo respeito que qualquer outra pessoa desse país. Vamos voltar a fazer aquilo que começamos a fazer, ir criando condições para que vocês sejam respeitados na função e na profissão. Respeitados não como vagabundos, mas brasileiros que foram abandonados pelo estado brasileiro, abandonados por prefeitos, governadores e presidentes da República. (Abandonados) pelas autoridades que acham que vocês são caso de polícia”, prosseguiu Lula. 

O presidente eleito também anunciou que fará uma pesquisa nacional sobre o perfil da população em situação de rua para levantar as causas desse drama social. As promessas foram acompanhadas pelo futuro ministro da Fazenda, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) que disse ter como principal tarefa no cargo a “de colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”. 

Futuro ministro atento

“Se a gente tiver o mesmo êxito que teve quando ele (Lula) nos colocou a tarefa da educação (de colocar no pobre na universidade), nós vamos ter um país mais justo que é o que precisamos. Todo mundo precisa de uma oportunidade na vida. E com essa frase simples, o Lula resumiu o que se espera da área econômica de seu governo: justiça social. E justiça social começa atendendo vocês”, declarou Haddad aos catadores e à população em situação de rua. 

Os anúncios foram celebrados pela plateia que, ao longo da primeira parte do evento, registraram a esperança com o novo governo e cobraram demandas. Padre Júlio, por exemplo, lembrou que a vitória de Lula contra o presidente Jair Bolsonaro (PL)foi uma “vitória da democracia”. Ele ainda acrescentou que a cidade de São Paulo deixa claro o “abandono do povo de rua” também refletido no veto e Bolsonaro ao projeto de lei que proíbe técnicas de arquitetura hostil, usadas para restringir o acesso a espaços públicos por, principalmente, sem-teto.

“A aporofobia está matando nosso povo pela violência e desprezo. Nós esperamos que hoje no Congresso Nacional seja derrubado o veto do presidente Bolsonaro que vetou o projeto aprovado de veto s intervenções hostis na arquitetura, que muitos covardes não têm coragem de fazer esse decreto”, lamentou o religioso que também acrescentou às demandas a sanção da renda básica, a revisão de programas de tutela, o direito à moradia e o fim da violência contra catadores e o povo de rua. 

Catadores e povo de rua no centro

O coordenador do Movimento Nacional de Luta e Defesa da População de Rua, Anderson Lopes Miranda, também destacou a importância de uma secretaria nacional da população de rua no próximo governo federal. A demanda por um canal de diálogo e de participação também foi feita pelo representante da direção nacional do Movimento dos Catadores, Roberto Laureano, que pediu a avaliação de Lula para a criação de uma secretaria especial de reciclagem dentro do Ministério do Meio Ambiente. “Para que ela possa olhar por nós, catadores e catadoras”, justificou. 

Os trabalhadores também solicitaram um “revogaço” de decretos, entre eles, o de nº 11.044/2022, o Recicla+. “Um decreto de mortes para os catadores de materiais recicláveis”, comentou Laureano. “Esse é o momento da retomada dos catadores e catadoras e dos movimentos da população de rua para o centro das políticas públicas do país. Porque nós fomos na verdade, nesses quatro anos, de uma forma bastante cruel, tirados desse cenário. E a nossa esperança é muito grande por tudo isso, por estarmos de novo de volta para esse circuito e por entendermos que podemos contar com todo apoio do presidente eleito”, resumiu o trabalhador.