Energias limpas

Foco da COP26 deveria ser como financiar a transição energética, diz Gabrielli

Para o ex-presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, o tema envolve interesses diferentes e por isso sua discussão ainda é incipiente

Governo do RS
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Empresas petrolíferas já investem em em pesquisa em energia alternativa

São Paulo – A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) que caminha para o seu final nesta sexta-feira (12), em Glasgow, na Escócia, não deverá ter o financiamento da transição energértica em sua agenda principal. Ou seja, a discussão sobre quem deve pagar pelo desenvolvimento e implementação de fontes alternativas nos países pobres, justamente os que menos jogam para a atmosfera gases de efeito estufa causadores do aquecimento global, deverá continuar na pauta dos movimentos ambientalistas e da sociedade como um todo.

É o que pensa o presidente da Petrobras nos governos Lula e Dilma, José Sergio Gabrielli. Para ele, a COP26 não deve avançar muito nessa linha porque o 1% mais rico do mundo é responsável pela emissão de 17% de gases de efeito estufa desde 1970, enquanto que os 50% mais pobres emitem apenas 9%. “De um lado nós temos um problema de (busca incessante de) crescimento econômico, levando ao aumento das emissões. E de outro, uma desigualdade nas emissões. É um problema de crescimento e distribuição associado a essa questão da mudança climática. É por isso que a COP26 não consegue avançar muito nessa linha”.

Para ele, o grande problema é que o capital ainda está concentrado nas grandes empresas de petróleo. A maior do mundo, por exemplo, a Saudi Aramco, com valor de mercado superior a R$ 2 trilhões, tem compromisso com o governo da Arábia Saudita de fazer uma transição energética até 2030, mas não assume mudança substancial em sua atividade principal, a extração e o refino de petróleo.

Boas intenções da COP26

A companhia tem caminhado para usar fortemente parte de seu valor para estimular a transição da economia da Arábia Saudita – o que é interessante segundo Gabrielli. Por um lado, acena para utilização de fontes renováveis, como a captação de energia solar. E por outro não vai deixar de produzir e refinar petróleo, atrelado à indústria petroquímica.

“A empresa entende que o petróleo vai diminuir sua aplicação na mobilidade, mas vai aumentar no setor petroquímico. A Shell está sendo forçada, por decisões judiciais, a ampliar suas metas de transição energética, mas por ação de acionistas. Do mesmo jeito a Exxon, a maior totalmente privada, que foi derrotada na última assembleia de acionistas, sendo obrigada a substituir três membros do conselho de administração por pessoas ligadas ao desenvolvimento de alternativas energéticas”, comentou Gabrielli, em participação no webnário “COP26: das boas intenções à dura realidade”, promovido pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) na noite da terça-feira (9). Assista íntegra do programa no final da reportagem.

As europeias Shell, Repsol e outras estão sentindo grande pressão dos fundos financeiros acionistas, cuja percepção é de que a regulação contra o uso de combustíveis fósseis vai aumentar. Isso, avaliam, pode levar os países a limitar a possibilidade de exploração de reservatórios já descobertos e reduzir o valor de mercado dessas companhias.

Jose Sergio Gabrielli/Reprodução

“Parte do capital financeiro está pressionando as empresas a aumentar a sua exposição junto a fontes alternativas de combustíveis. A Galp já anunciou que vai parar a atividade exploratória, vai se concentrar na expansão da produção de parques eólicos e solares. A Petrochina e a Gaspro dificilmente vão mudar a lógica. A Petrobras, ao contrário, está se concentrando na exportação de petróleo cru Saiu do refino, saiu do gás natural, e está se tornando uma empresa ‘suja’ de exportação de petróleo cru”, disse Gabrielli.

Redução das emissões

Na avaliação de Gabrielli, que é pesquisador do Ineep, o mundo vive a “versão século 21 da Guerra Fria”, em uma disputa entre dois modelos de produção e de sociedade, representados pelos Estados Unidos e China. As crescentes tensões entre as duas nações têm a ver com desenvolvimento tecnológico e o uso de energia.

Ao vencer Donald Trump em 2020, o presidente Joe Biden mantém um discurso que indica uma tentativa de recuperar o papel do seu país no protagonismo da agenda climática, retirado pelo antecessor.

Por sua vez, Rússia e China estão muito tímidas na COP26. Sem a presença desses dois países, conforme Gabrielli, dificilmente haverá avanços significativos, pelo menos no momento em que a economia mundial sai da pandemia e tem retomada assimétrica. Como o maior crescimento é o da China, há muitas alterações no mercado de energia, inclusive com o uso do carvão, já que o preço do gás natural subiu por causa da demanda chinesa e dos países europeus.

Para o ex-presidente da Petrobras, o melhor resultado da COP26 será a chegada a um acordo sobre a redução das emissões de metano, gás de efeito estufa causador do aquecimento global. Suas principais fontes de emissão são os vazamentos nas unidades de processamento de petróleo, de gás e de refino. Além da emissão de gases por animais ruminantes, especialmente bovinos.

“A indústria já tem tecnologias. E nem é muito caro reduzir as emissões. É uma meta possível, economicamente viável. O que não se pode dizer é que seja a mesma coisa do ponto de vista da pecuária. O gás produzido no processo de ruminação de rebanhos – nos arrotos – gera um volume de metano na atmosfera. Não tem muita tecnologia para avaliar esse tipo de coisa. Exige transformação tecnológica, o que dificulta que o agronegócio se envolva nisso”, disse, ressaltando que mais da metade das emissões de metano vem da natureza e não da atividade humana.


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