Falta de financiamento dificulta acordo climático

Remuneração de nações em desenvolvimento para preservar florestas é um dos entraves

Brasil recebe 8% dos recursos do mercado de créditos carbono, bem atrás de China e Índia (Foto: Bruno Camelier/Sxc.hu)

A proximidade da 15ª Conferência da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-15), que acontecerá em dezembro na Dinamarca, intensifica as discussões travadas internamente pelos diversos governos nacionais. Muitos países, inclusive o Brasil, já anteciparam algum tipo de compromisso que pretendem assumir oficialmente durante o encontro de Copenhague. No entanto, o principal nó das discussões climáticas é o financiamento das ações de combate ao aquecimento global, que permanece firmemente atado.

O debate acerca de possíveis “soluções econômicas” para incentivar o combate ao aquecimento global começou há 17 anos, durante o encontro de cúpula da ONU que entrou para a história como Rio Eco 92. De lá pra cá, apenas duas ações foram efetivamente postas em prática: a estruturação financeira do Mercado de Créditos de Carbono e a criação do Fundo de Adaptação às Mudanças Climáticas da ONU.

Criado como parte do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, o Mercado de Carbono funciona por meio de créditos em dinheiro pagos pelos mais industrializados para que outras nações não emitam gases provocadores do efeito estufa. Desta forma, os primeiros podem “compensar” suas próprias emissões ao remunerar países em desenvolvimento que evitem poluentes. O acesso a esses créditos ocorre ao se apresentar projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Cerca de 5.500 projetos de MDL já foram apresentados à ONU desde que foi criado o Mercado de Créditos de Carbono. O Brasil, com 8% dos projetos apresentados, é o terceiro mais presente nesse mercado, mas ainda está muito longe dos primeiros colocados China (37%) e Índia (27%), que, ao lado do Brasil, formam a linha de frente dos “emergentes” e atravessam momento de crescimento econômico ainda mais vigoroso.

Segundo estimativa da própria ONU, o Mercado de Carbono deve movimentar cerca de US$ 80 bilhões até 2012, quando expira o Protocolo de Kyoto. É uma soma considerável, mas a contribuição desse mercado para o efetivo combate às mudanças climáticas, questionada desde a origem por diversas organizações socioambientalistas, permanece uma interrogação. O que se sabe de concreto é que em doze anos de existência o Mercado de Carbono não conseguiu evitar que a Terra continuasse esquentando.

Fundo de Adaptação

As queixas dos países em desenvolvimento provocadas pela insuficiência dos MDLs e dos créditos de carbonos chegaram a tal ponto que a ONU decidiu criar, no ano passado, o Fundo de Adaptação às Mudanças Climáticas. Este fundo deve ser alimentado por duas fontes. A primeira é a cobrança de um imposto de 2% sobre o volume total de negócios do Mercado de Carbono, e a segunda são “doações voluntárias” feitas pelas nações.

O Fundo de Adaptação tem atualmente cerca de US$ 20 milhões, montante muito aquém das expectativas iniciais. Trata-se, pelo menos até agora, de um novo fracasso, a julgar pelas palavras do secretário da ONU para Mudanças Climáticas, Yvo de Boer. “Os impostos sobre o Mercado de Carbono devem gerar cerca de US$ 1,6 bilhão até 2012, mas ainda não houve nenhuma doação voluntária”, lamenta, em uma demonstração da pouca boa vontade política dos governantes dos países ricos com a idéia de financiar o combate ao aquecimento global nos em desenvolvimento.

Esse é o nó que precisa ser desatado em Copenhague. A principal proposta nova a ser debatida durante a COP-15 é a inclusão dos Certificados de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) no Mercado de Carbono. Esse mecanismo, ainda não regulamentado pela Convenção de Mudanças Climáticas da ONU, tem o objetivo de incluir o desmatamento evitado e as ações de combate ao desmatamento no mercado de créditos de carbono, o que não ocorre atualmente.

Brasil apoiará REDD

Segundo a proposta, que deve ser apresentada com o apoio do governo brasileiro, os países ricos poderiam utilizar o REDD para aumentar suas metas de redução de emissões. Assim sendo, a União Européia, por exemplo, poderia aumentar sua meta de redução dos anunciados 20% até 2020 para 25% ou 30%. A diferença seria computada de acordo com os pagamentos efetuados por meio do REDD a nações que evitam o desmatamento.

Não houve manifestação oficial contra o REDD, mas nos principais governos, incluindo o do Brasil, existem setores que consideram a utilização desse novo mecanismo abriria uma brecha que terminaria por enfraquecer o Mercado de Carbono. No governo brasileiro, as maiores resistências ao REDD vêm dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Agricultura.

Os principais defensores do REDD dentro do governo são os ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda. Este último divulgou um estudo demonstrando que, ao preservar suas florestas, o Brasil poderia ganhar até € 5 milhões por ano. Segundo o ministério, o aquecimento global, no ritmo em que está, também acarretará perdas para a agricultura nos próximos anos, com redução na produção de soja (22%), milho (12%) e café (9%), entre outros. “Esse estudo fortalece as políticas ambientais do governo”, comemora o ministro Carlos Minc, do Ministério do Meio Ambiente.

A menos de dois meses da COP-15, novas contas relativas ao aquecimento global são apresentadas em todo o mundo. Economistas contratados pelo Banco Mundial divulgaram no início de outubro um relatório no qual afirmam que o custo para que os países em desenvolvimento se adaptem às mudanças climáticas será de US$ 75 bilhões a US$ 100 bilhões por ano a partir de 2010. Outro estudo, realizado pela Agência Internacional de Energia (AIE), calcula que sejam necessários investimentos de US$ 10 trilhões em fontes renováveis de energia nos próximos 20 anos.

Resta aparecer alguém para pagar essa conta.