Em Doha, Conferência do Clima tem uma semana para desatar nós

Resistência de países do Leste Europeu trava segunda fase do Protocolo de Kyoto; Recursos para o Fundo Climático ainda não foram definidos

A proposta de zerar o acúmulo de créditos de carbono contraria alguns países, que ameaçam barrar um novo acordo (Foto: Jon Meade. Image Source. Folhapress)

Rio de Janeiro – A 18ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-18), realizada em Doha, no Catar, entrou hoje (3) em sua segunda e última semana sem que haja qualquer definição à vista quanto aos três principais pontos em discussão. Os negociadores dos quase 200 países presentes à conferência ainda não chegaram a um consenso no que diz respeito à adoção da segunda fase do Protocolo de Kyoto, ao acordo com metas obrigatórias para todos os países proposto pela Plataforma de Durban ou à implementação do Fundo Verde Climático, que prevê o repasse de recursos aos países em desenvolvimento para que estes possam se adaptar às conseqüências do aquecimento global e adotar políticas sustentáveis de crescimento econômico.

Em relação ao Protocolo de Kyoto, começou a ser costurado em Doha um acordo entre União Europeia, Austrália e países do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) para que sua segunda fase pudesse ser iniciada no tempo previsto – janeiro de 2013 –, ainda que bancada por um número restrito de países. Garantir a sobrevida de Kyoto, mesmo em versão modesta, segundo os negociadores, criaria “um marco de referência para as demais nações”. Isso, na visão dos mais otimistas, destravaria as negociações que tentam atrair para um novo acordo vinculante (com metas obrigatórias de redução das emissões de gases provocadores do efeito estufa), importantes países que jamais aderiram ou que já se retiraram do Protocolo, como Estados Unidos, Japão, Canadá e Nova Zelândia.

As negociações sobre a segunda fase do Protocolo de Kyoto, no entanto, esbarraram em um novo impasse, que pegou muitos experimentados negociadores de surpresa. Liderados por Polônia, Rússia e Ucrânia, um grupo de países que têm acúmulo de créditos de carbono excedentes relativos à primeira fase do acordo para negociar não aceita que o jogo seja zerado para a segunda fase e quer manter a validade desses créditos em 2013. Se isso for feito, no entanto, as metas do Protocolo sofreriam uma distorção, fato que, segundo países como Alemanha e Brasil, pode comprometer a credibilidade dos esforços pela redução das emissões de gases estufa.

Outra solução que precisa ser encontrada até a próxima sexta-feira (7), último dia da COP-18, diz respeito a um problema bem concreto: a falta de dinheiro. O fundo emergencial de R$ 30 bilhões aprovado há três anos em Copenhague, na Dinamarca, durante a COP-15, já se esgotou sem que o seu pretendido substituto permanente – o Fundo Verde Climático – tenha conhecido a luz do dia. Além disso, a promessa de que o fundo seria alimentado com “dinheiro adicional e novo” periga não sair do campo das boas intenções, já que os relatórios apresentados em Doha por EUA e União Europeia revelam que mesmo os recursos “emergenciais” de curto prazo já disponibilizados vieram majoritariamente de fontes que estavam previamente definidas e que simplesmente foram recarimbadas com o rótulo de “clima”.

À espera de adesões

O anúncio de metas voluntárias por alguns países considerados emblemáticos – como os EUA ou o anfitrião Catar – também é ainda aguardado com grande expectativa em Doha. Cada adesão fortalece a alternativa trazida desde o ano passado pela Plataforma de Durban, que estabelece 2015 como data-limite para que tanto países industrializados quanto países emergentes ou em desenvolvimento adotem compromissos obrigatórios de redução das suas emissões. As novas metas entrariam em vigor a partir de 2020.

A reeleição de Barack Obama renovou as esperanças quanto a um maior engajamento dos EUA, país que jamais aderiu a qualquer acordo multilateral de enfrentamento ao aquecimento global e que, segundo a organização Climate Action Network (CAN), “apresentou metas voluntárias pífias, se comparadas com as metas que foram prometidas pelos demais países desde 2009”. Os bilionários prejuízos com o furacão Sandy em boa parte do país podem ser, na visão de alguns analistas, a justificativa para que o governo norte-americano assuma uma postura mais ousada ainda na COP-18 e traga consigo outros países desenvolvidos.

No lado das nações em desenvolvimento, o anúncio de metas pelo Qatar – que, além de anfitrião da COP-18 é o país com maior emissão de gases estufa per capita – também poderia ter um efeito catalisador que atraísse outros países árabes produtores de petróleo. No sábado (1) foi realizada em Doha aquela que já é considerada a maior manifestação civil da história do Catar. Cerca de duas mil pessoas, segundo das ONGs ambientalistas, exigiram que os governos de todo o mundo adotem medidas urgentes de combate às mudanças climáticas. Manifestantes de países como Egito, Marrocos, Líbia, Tunísia, Palestina, Líbano, Iraque, Argélia, Sudão, Jordânia, Mauritânia, Omã, Bahrein e Emirados Árabes Unidos pediram que seus governos adotem metas voluntárias de redução de emissões.

Balanço

Ao final da primeira semana de discussões na COP-18, o embaixador André Corrêa do Lago, chefe da delegação brasileira, reuniu ambientalistas, empresários e gestores públicos brasileiros que acompanham as negociações climáticas em Doha para fazer um primeiro balanço da conferência. Segundo relatos, o representante do Itamaraty disse que o Brasil se esforçará até o fim da COP-18 para que seja aprovada a segunda fase do Protocolo de Kyoto: “O Protocolo é importante porque estabelece de forma clara a diferença entre países desenvolvidos e em desenvolvimento”, disse Corrêa do Lago.

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