Comissão da Câmara volta a discutir mudança do Código Florestal

Pico da tensão entre ruralistas e ambientalistas, no entanto, está marcado para a reunião que pode votar a anistia a desmatadores

O governo promete apresentar nesta semana o projeto, endossado pelo presidente Lula, que serve como alternativa ao colocado em pauta pelos ruralistas para a reforma do código (Foto: Jefferson Rudy)

A semana começa com pelo menos dois encontros entre ruralistas e ambientalistas na pauta da Câmara. Nesta terça-feira (3), a comissão especial que trata da mudança do Código Florestal brasileiro tem sessão para ouvir especialistas indicados pelas duas frentes. No dia seguinte ocorre o encontro que promete ser o mais quente: a Comissão de Meio Ambiente pode votar o substitutivo de projeto de lei que dá anistia a quem desmatou até 2006.

Na última semana, o texto de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) movimentou a sessão, com protestos do Greenpeace e intervenção do líder do governo na Casa, deputado Henrique Fontana, para adiar a votação. Agora, a expectativa dos ambientalistas é conseguir o envio do projeto a plenário, de onde seria remetido à comissão especial. O argumento é de que o texto mexe com vários pontos do Código Florestal, como passar aos estados a responsabilidade sobre a legislação do setor, e por isso não deve ser ignorada a existência da comissão.

O governo promete apresentar nesta semana o projeto, endossado pelo presidente Lula, que serve como alternativa ao colocado em pauta pelos ruralistas para a reforma do código. O texto elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente não deve mexer nas atuais áreas de preservação e tentará colocar em prática o sistema de cotas, ou seja, que aquele proprietário que desmatou a menos que o limite venda seu excedente a quem ultrapassou o limite.

Marcos Sorrentino, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), entende que esse é um ponto falho da alternativa governista. O pesquisador entende que a compensação deveria ser válida apenas dentro de uma mesma bacia hidrográfica. “Uma pessoa que desmata na Grande São Paulo pode fazer a reposição de sua área de reserva legal em Presidente Prudente. O espírito da lei, que é recomposição num raio economicamente viável, será jogado fora. Imagine, por exemplo, que uma área pode ficar sem qualquer recurso florestal”, adverte.

Sob pressão do Ministério da Agricultura, o governo admite ampliar em seis meses a entrada em vigor do novo decreto de crimes ambientais, que a partir de 11 de dezembro passaria a impor novas exigências e a multar os proprietários que não estejam fazendo a recomposição de áreas.

Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental, entende que o Ministério da Agricultura tem funcionado mais como um porta-voz dos anseios ruralistas do que como um setor do governo. O ministro Reinhold Stephanes tem rusgas declaradas com Carlos Minc (Ambiente) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), e tem boa relação com a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO).

A parlamentar afirmou na última semana que, se fossem colocadas em vigor todas as propostas dos ambientalistas, o Brasil seria obrigado a importar grãos de países que aceitaram desmatar. Raul do Valle discorda e entende se tratar de uma grande falácia a visão de que o cumprimento da legislação ambiental atrapalha o crescimento do Brasil. “Basta investir em aprimoramentos técnicos, em tecnologia. Vamos poder não apenas produzir o que já produzimos hoje, mas recuperar áreas. Então, não existe disputa por espaço”, afirma. Para o pesquisador, os ruralistas querem empurrar para a sociedade o custo da não-recuperação ambiental de áreas importantes.

Comissão de Meio Ambiente

A senadora Kátia Abreu apoia a anistia aos desmatadores prevista pelo substitutivo ao projeto de lei 6.424 de 2005. A presidente da CNA entende que seria uma boa oportunidade para, daqui para a frente, apertar o cerco.

A visão é radicalmente oposta à dos ambientalistas, que na última semana conseguiram obstruir os trabalhos na Comissão do Meio Ambiente. O projeto relatado por Marcos Montes (DEM-MG) é visto como o Plano B dos parlamentares ligados ao agronegócio, que esperam garantir de qualquer maneira alterações no Código Florestal brasileiro.

Marcos Sorrentino lembra que o Código Florestal é um patrimônio dos brasileiros, tendo sido elaborado inicialmente em 1934, com uma nova versão em 1965 e a modernização ao longo dos anos. O professor da Esalq acredita que a maior necessidade é organizar e reunir toda a legislação do setor, e não joga-la fora.

Uma das alterações previstas tanto no projeto que corre na Comissão de Meio Ambiente quanto na comissão especial é a de repassar aos estados a legislação sobre o setor. Os ruralistas são admiradores declarados do modelo de Santa Catarina, em que a Assembleia Legislativa aprovou um Código Ambiental do estado. Entre outras coisas, o projeto catarinense prevê a redução das áreas de preservação e a permissão para plantações em encostas de morros. Para entrar em vigor, no entanto, ainda depende de avaliação do Supremo Tribunal Federal.

Para Sorrentino, há um grande equívoco na questão, uma vez que as leis estaduais só são válidas quando mais restritivas que as federais, não podendo liberar algo que está vetado pela União: “O que aqueles que advogam a descentralização querem é a possibilidade de os grandes grupos econômicos, que têm poder de influência nas Assembleias Legislativas, fazerem uma lei que atenda aos seus interesses”.