Herança maldita 

Desmatamento na Amazônia em março é o segundo maior em 16 anos, revela Imazon 

Monitoramento indica que o desmatamento no bioma triplicou no mês passado. Em paralelo, depois de “espernear” sobre falas de Lula em relação à guerra, presidente dos EUA anuncia intenção de contribuir com US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia

Paulo Pereira/Greenpeace
Paulo Pereira/Greenpeace
O desmonte do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos de fiscalização ainda prejudicam o atual governo nos trabalhos para interromper o crime ambiental na Amazônia

São Paulo – Monitoramento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revela que o desmatamento da Amazônia triplicou em março. Divulgado nesta quinta-feira (20), o resultado aponta para o primeiro trimestre de 2023 com a segunda maior área desmatada desde 2008. Ao todo, 867 quilômetros quadrados de área foram derrubados nos três primeiros meses deste ano. 

O desmatamento entre janeiro, fevereiro e março de 2021, porém, continua como o pior índice de desmatamento. Na época, a devastação atingiu quase 2 mil quilômetros de floresta nativa. No mesmo ano também se registrou o maior nível de desmatamento em 10 anos. Em 2023, porém, a devastação foi equivalente a quase mil campos de futebol desmatados por dia. A maioria, 76% dos casos, ocorreram em áreas privadas ou sob diversos estágios de posse. 

Outros 19% em assentamentos, 4% em unidades de conservação e 1% em Terras Indígenas. O Amazonas registrou, contudo, a maior área desmatada. Foram 104 quilômetros de floresta derrubados. O que representa um aumento de quase noves vezes em comparação a 2022, quando foram devastados 12 quilômetros. Esse aumento também foi verificado em outros sete estados da Amazônia Legal, composta, ao todo, por nove unidades federativas. Apenas o Amapá não registrou crescimento.

Resultado de herança bolsonarista 

De acordo com o Imazon, o cenário indica urgência da adoção de ações de proteção aos territórios mais pressionados. 

“Os governos federal e dos estados precisam agir em conjunto para evitar que a devastação siga avançando, principalmente em áreas protegidas e florestas públicas não destinadas. Há casos graves como o da unidade de conservação APA Triunfo do Zingu, no Pará, que perdeu uma área de floresta equivalente a 500 campos de futebol apenas em março. Será preciso também não deixar impune os casos de desmatamentos ilegais e apropriação de terras públicas”, afirmou o pesquisador do Imazon Carlos Souza Jr. 

A avaliação de especialistas é que o desmonte do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos e ferramentas de fiscalização, ao longo do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deixou uma “herança maldita” que ainda dificulta os trabalhos do novo governo federal para interromper o crime ambiental na região amazônica. 

Governos estaduais devem agir

“Voltar a ter domínio sobre a situação ainda vai levar tempo, porque o tamanho da destruição foi muito grande. Foi um ciclo de quatro anos de sabotagem institucional feita por quem estava lá dentro. Então, o que se tem de saldo final é que a capacidade do Estado brasileiro de combater o crime foi diminuída. E restabelecer isso vai demorar um pouco”, analisou ao jornal O Globo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. 

Além do governo federal, o especialista também defende que os governos estaduais da Amazônia Legal também se engajem para combater a exploração ilegal de madeira, o garimpo de pedras preciosas e a grilagem de terras. A maior parte dos alertas deste primeiro trimestre, segundo o Imazon, se concentram justamente no chamado “novo arco do desmatamento”. A área é formada pelo sul do Amazonas, o Pará e o norte do Mato Grosso. 

Aporte dos EUA no Fundo Amazônia

Em paralelo, nesta quinta, o presidente dos Estados Unidos Joe Biden anunciou a intenção de contribuir com US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia nos próximos cinco anos. A doação equivale a R$ 2,5 bilhões e é 10 vezes superior aos US$ 50 milhões que chegou a especular, em fevereiro, na visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao país. 

O anúncio foi feito por Biden durante uma reunião do Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima (MEF, na sigla em inglês), formado por 26 países, incluindo o Brasil. Lula também participou do evento de forma virtual. O aporte vem também dias após as declarações do brasileiro sobre a guerra na Ucrânia, que incomodaram os EUA. 

“Estou feliz de anunciar que pedirei verbas para que possamos contribuir com US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia e outras iniciativas relacionadas ao clima pelos próximos cinco anos para ajudar o renovado esforço brasileiro de acabar com o desmatamento até 2030”, declarou Biden no evento. A liberação de recursos ainda precisará ser aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos. Caso o presidente consiga o aval, o país se tornará o segundo maior contribuinte do fundo, atrás apenas da Noruega, que já doou US$ 1,2 bilhão desde que a iniciativa foi lançada em 2008, no primeiro mandato de Lula. 

De abril de 2019 até o ano passado, o Fundo Amazônia estava congelado pelos países devido suas críticas à política de desmonte ambiental promovida por Bolsonaro.